Ela foi o jardim dos poetas
provincianos
‒ a velha Praça da Harmonia,
Rodeada de frades de pedra,
alumiada
de lampiões a gás, debaixo das
paineiras,
com estátuas de louça à beira da
aléias
e bancos sob a fronde amorosa da
tílias...
O Álvaro, o Felipe, o Dionélio, o
Eduardo,
o Wamosy, o De Sousa... andaram
por ali...
E quando o luar tecia, entre a
poeira do esguicho
e a quietude da sombra, a renda
dos reflexos,
eles liam Smain, Rodenbach,
Verlaine...
Ao fundo, junto a plinto e ao
gradil da amurada,
o Guaíba embalava, às vezes, um
veleiro...
E a noite camarada e cheiroso de
orvalho
acordava violões, nas esquinas,
cantando...
Que é dos poetas que, um dia, ó
velha praça morta,
embriagaste com o filtro amável
dos teus luares,
das tuas sombras cariciosas,
dos teus silêncios
confidentes?...
Tristes vozes de outrora, eu sei,
muitas calaram para sempre...
E hoje, mesmo de ti, nada nos
ficou...
Voam, alto, por sobre os plátanos
despidos
as aves... E, se acaso os sinos,
bimbalando,
agora, enchem o céu do som
religioso dos bronzes,
em seguida é maior o silêncio
que espalma as asas , em redor...
És um deserto só... Ninguém mais
te procura!...
Nem sequer o fantasma andejo da
saudade
vem percorrer, à noite, as tuas
alamedas...
Mas a bruma outonal se amortalha,
no acaso,
e, abrindo sobre ti as grandes
sombras quietas,
dá-te ainda a ilusão, sob as
folhas caindo,
de que a cidade chora o jardim
dos seus poetas...
(De Poemas da Minha
Cidade,
Edição da Livraria do Globo, 1944)
Edição da Livraria do Globo, 1944)
Athos Damasceno Ferreira (Porto
Alegre, 3 de setembro de 1902 − Porto Alegre, 1975) foi um poeta, romancista, cronista,
tradutor, crítico literário e pesquisador brasileiro. Foi tradutor da Editora
Globo e colaborador da revista Província de São Pedro e do jornal Correio do
Povo. Seus dois principais livros têm como tema a cidade de Porto Alegre:
Poemas da Minha Cidade (poesias), publicado em 1936, e Imagens Sentimentais da
Cidade (crônicas), publicado em 1940. Também produziu extensa e indispensável
obra no campo da pesquisa histórica e cultural, onde se destacam Palco, Salão e
Picadeiro em Porto Alegre
no Século XIX (1956), e Artes Plásticas no Rio Grande do Sul (1971).
É tido como o mais importante
historiador e cronista da cidade de Porto Alegre, é o fundador da
historiografia da arte no estado, e deixou destacada contribuição para a
historiografia estadual nos campos da cultura e sociedade, sendo um pioneiro no
estudo de vários temas. Foi um defensor da reavaliação dos regionalismos e um
refinado poeta e novelista, embora nesta área seja pouco lembrado.
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