Luís Fernando Veríssimo
(Ano em que o bicho estava pegando...)
Acima de tudo, jamais
confundir um ronco na barriga com a voz de Deus.
Evitar pai e mãe.
Em caso de incêndio, se
mandar.
Nunca
perguntar por quem os sinos dobram. Lembra o belo tipo faceiro que você tinha
ao seu lado? Matou-o um rim creosotado.
Morrer bonito. Ser digno do
seu caixão.
Não fazer drama. Nem comédia.
Pior que morrer de colapso é morrer de relapso.
Honrar
a mulher do próximo como o seu gato. Embaixo da mesa todos os gestos são pagos.
No escuro todos os gagos são pardais.
Não desejar.
Olhar
os lírios do campo, que crescem e florescem sem incentivos fiscais. Tirar
deduções, tomar nota e engolir o papel.
Manter,
durante todo o espetáculo, uma atitude de cauteloso respeito. Ver em cada piada
um enigma e uma provocação. Lembrar-se de que os palhaços são os donos do
circo, mas o domador é quem manda. E o leão é bicha.
Não levantar falso
testemunho. O último que tentou está no hospital com uma hérnia do tamanho de
um juiz.
Jamais
lamentar a sorte dos escravos ou humilhação dos teus inferiores, pois eles
dobram por ti. E, mesmo, no escuro todos os pardos são gatos.
Não se furtar. Pior que a
economia são os mil anos de perdão.
Não endeusar o nome do vão em
Santos.
Desconfiar
de quem diz ter a verdadeira ojeriza. A única verdadeira está no cofre do
marajá de Pardo-Pardo, guardada por sete gatos escuros, com domingos e festas.
Se te pedirem as horas, dar o
relógio.
Se te pedirem um pensamento,
dar a cabeça.
Observar
o protocolo e fazer todo o que ele faz. Um ferreiro visita a casa de um
enforcado. “Corda” diz o ferreiro. “Um licorzinho” oferece o enforcado, e vai
lá dentro. Volta com um espeto de ferro e o crava no peito da visita. Antes de
morrer, o ferreiro estrebucha: “Na minha casa, isto não aconteceria!” Moral:
Ter muito cuidado.
Se pedirem tua opinião,
correr. Já é uma definição.
Amar ao teu gato sobre todas
as casas.
No escuro, a mulher do
próximo mia como todas. O amor não mata, mas deforma.
Jamais desejar a mulher do
Job, que é bisbilhoteira e insossa.
Jamais dizer o nome do Ivã,
meu Deus. Todo nome é uma sigla.
Tomar
duas drágeas de hora em hora com um copo de vinho. Se os sintomas persistirem,
tomar só o vinho.
Nunca,
nunca fazer perguntas. Mas ter sempre uma mentira no bolso, junto com o
canivete e o Pepsamar. Todo otimista é mal informado.
Não pecar contra a castidade,
a não ser em autodefesa.
Matar sempre com paixão. Pior
que o castigo é a frustração.
Não invejar o escuro dos
gatos, pois tudo é lustre e passageiro.
E no entanto, acreditar.
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