Isaac Loeb Peretz
(Excerto)
Aqui, neste mundo, a morte de
Bontzye, o Silencioso, não causou impressão alguma. Pergunte a quem quiser quem
era o Bontzye, que vida levava e de que morreu; se foi de um colapso cardíaco,
se lhe faltaram forças, ou se quebrou o espinhaço sob alguma carga pesada.
Ninguém saberá dizer. Talvez, no fim de contas, tenha morrido de fome.
Se uma besta de carga tivesse caído
morta no meio da rua, teria despertado mais interesse. Apareceriam notícias nos
jornais, centenas de curiosos correriam para ver a carcaça do animal e examinar
o local do desastre...
Bontzye viveu no silêncio e no
silêncio morreu. Passou através do nosso mundo como uma sombra. No dia da sua
circuncisão ninguém derramou vinho, ninguém quebrou copos. Também, quando
confirmado, não houve discursos. Viveu como vive o grão de areia na praia do
mar, entre milhões da sua espécie. E quando o vento o levantou jogando-o para o
outro lado do mar, ninguém deu por isso. Quando ele vivia, a lama da rua não
guardava impressão alguma das suas pegadas; depois que morreu, o vento derrubou
a tabuleta que marcava o túmulo onde fora enterrado. A mulher do coveiro foi
encontrá-la muito longe do lugar e utilizou-a para fazer fogo, no qual ferveu
uma panelada de batatas. Passados três dias, mesmo o coveiro não mais se
lembrava onde o sepultara.
Uma sombra!
As suas feições não ficaram gravadas na memória de pessoa alguma, nem no
coração dos seus semelhantes; dele não restou vestígio algum.
Sem herança
nem parentes, viveu; sozinho viveu e sozinho morreu.
Se o mundo tivesse menos que fazer,
talvez alguém notasse que Bontzye (que também era um ente humano) andava com o
olhar amortecido e as faces encovadas; que mesmo sem carga nas costas a sua
cabeça pendia para a terra como se ainda em vida, andasse em busca do túmulo.
Quando levaram Bontzye para o hospital, o canto dele no porão logo encontrou
outro inquilino -
eram dez como ele que esperavam, e entre si puseram a coisa em leilão. Quando o
levaram do hospital para o necrotério, eram vinte os doentes que aguardavam o
seu leito. Quando saiu do necrotério, deram entrada vinte cadáveres vindos de
uma construção que desabara. Quem sabe quanto tempo ficará descansando na
sepultura? Quem sabe quantos estarão esperando por aquele cantinho de terra?
Se ele tivesse tido, ao menos, um
túmulo de pedra, é possível que daqui a um século qualquer arqueólogo o
encontrasse e, assim, o nome de Bontzye, o Silencioso, seria ouvido mais uma
vez no mundo.
Um nascimento silencioso, uma vida
silenciosa, uma morte silenciosa e um enterro ainda mais silencioso. Mas no
outro mundo não foi assim. Ali a morte de Bontzye causou grande sensação.
O troar da grande trombeta Messiânica
ecoou através dos sete céus: Bontzye, o Silencioso, havia deixado a terra! Os
anjos maiores, com as mais largas asas, esvoaçavam e contavam uns aos outros:
Bontzye, o Silencioso, vem ocupar a sua cadeira na Academia Celestial!
No Paraíso
houve algazarra e tumultos de alegria: Bontzye, o Silencioso! Imaginem só!
Anjinhos infantis, com olhos
resplandecentes, asas de filigrana de ouro e chinelinhos de prata, correram
jubilosos ao seu encontro.
O zumbir das asas, o ratatá dos
chinelinhos e as risadas das boquinhas rosadas enchiam todos os céus, chegando
até ao Trono da Glória, de maneira que Deus logo soube da chegada de Bontzye, o
Silencioso. Nosso pai Abraão estava de pé no portal, com a mão direita
estendida em calorosa saudação, e um doce sorriso iluminava-lhe o semblante
patriarcal.
Que será que vem rodando através dos
céus? Dois anjos estão arrastando uma cadeira de ouro do Paraíso, para Bontzye,
o Silencioso. Que foi que reluziu com tanto brilho? Levavam uma coroa
incrustada de pedras preciosas, tudo para Bontzye, o Silencioso.
- O que é isso? indagavam
os santos, com uma pontinha de ciúmes, mesmo antes de ser dada a decisão do Tribunal
Celestial?
- Oh! -
respondiam os anjos -
isso será apenas uma formalidade. Mesmo o promotor não dirá uma só palavra
contra Bontzye, o Silencioso. Todo o processo não levará cinco minutos!
Imaginem só! Bontzye, o Silencioso!
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