Oscar
Bessi Filho
Na Estrada do Mar*, o homem
grisalho dirigia calmo, apreciando a paisagem. Dentro da velocidade limite
conseguia saborear o clima ameno e belas imagens da natureza ao seu redor.
Gostava do Litoral pelo ar de fuga que respirava. Aquela aura de relaxamento que
lhe parecia nem ter lógica, pois as casas da praia tinham as mesmas chaminés,
os humanos produziam as mesmas sujeiras, os mesmos barulhos da Capital, e as
ruas centrais sofriam com os mesmos congestionamentos. Em finas de semana e
feriados, o simples ir à padaria se tornava uma estressante fila de espera,
iguais às que tolerava com tão pouca paciência nos postos de saúde. E havia
cada vez mais gentes e carros. Mesmo assim, todo ano ele viajava para o Litoral.
Viu pelo retrovisor uma
caminhonete importada se aproximar em poucos instantes, veloz e ruidosa. O
motorista era um jovem de Ray-Ban, fisionomia fechada, tatuagens no braço.
Havia um movimento considerável na pista oposta e não havia como ultrapassá-lo.
Então, o carro, bem maior que o seu, passou a pressionar para que ele saísse da
frente. Acelerava como se pudesse empurrar, passar por cima, jogá-lo para fora
da pista. Quase tocando o seu para-choque. O velho viajante ficou assustado. A
impaciência do rapaz era visível e agressiva. Mas ele não tinha para onde
escapar naquele trecho. O outro começou a dar sinais de luz insistentes e
irritados e, naquele momento, o homem grisalho apenas rezou para que ele fosse
embora o quanto antes.
Numa fração de instante, viu ao
seu lado o jovem que finalmente o ultrapassou. A fisionomia de um motorista que
deveria estar passeando, mas parecia uma máquina de guerra a mil em plena
batalha. Ele lembrou-se de quando era jovem e impetuoso. De quando também
gostava, como qualquer jovem, de alguma emoção e adrenalina. Mas não assim. Não
ignorando vidas que estivessem ao seu lado. “Vá saber que circunstâncias são
capazes de tornar as pessoas insensíveis?”, pensou o velho. “Que presenças ou
ausências indesejadas quando criança? Que faltas? Que excessos? Torceu para que
o tempo ofertasse àquele louco que escondia seu olhar sob o Ray-Ban, o
aprendizado da calma. Do entendimento de que a vida é um existir coletivo. E a
consideração pelos outros”.
Mas o congestionamento e a
ambulância, alguns quilômetros depois, apenas confirmaram um triste
pressentimento que teve ao ver aquele rapaz, ao seu lado, ensandecido. O jovem
de Ray-Ban jamais teria chance de ter seus cabelos grisalhos e de apreciar a
paisagem.
In Correio do Povo,
19.01.2014
*Estrada Estadual (RS) que leva os veranistas
às praias do litoral norte gaúcho.
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