- Hoje tem espetáculo?
- Tem, sim sinhô...
Não faz muito tempo, creio que em
1952, ouvi ali em Itarana o velho pregão circense. Colhi até uma fotografia
onde se vê o palhaço, risonho e burlesco, e a garotada álacre a seguir-lhe os
passos ligeirinhos. E a mesma cantilena com as mesmíssimas respostas usavam a
malta de garotos e o palhaço do circo mambembe que se armara em Itarana.
Essa cantilena tradicional - e,
portanto, folclórica - tem sido registrada por escritores nossos, em seus
contos e romances. Disto vou dar aqui uns três exemplos. R. Magalhães Júnior - que
hoje, graças aos seus estudos e pesquisas em torno da vida e obra de Machado de
Assis, ocupa uma das poltronas da Academia Brasileira de Letras -
escreveu de parceria com Lúcia Benedetti, um livro para crianças, o Chico
Vira-Bicho (Porto Alegre, Editora Globo, 1943), em sua página 20 se pode ler:
"Chico achara muito cruel e muito esquisito o mundo antigo, e considerou
que não era a um circo dessa espécie que ele queria ir. Queria um circo com
bichos mansos, domesticados, arteiros, sabendo dar saltos e fazer habilidades,
e com muitos palhaços engraçados, desses que fazem a gente morrer de rir com as
suas cenas cômicas e com as suas piadas estapafúrdias.”
Palhaços como aquele que vira uma vez da janela do Palácio real, passando montado num burrico, a cara cheia de alvaiade e vermelhão, seguido pela molecada das ruas. O palhaço dizia:
- Hoje
tem espetáculo?
E a molecada
E a molecada
- Tem,
sim senhor!
- Hoje tem goiabada?
- Tem, sim senhor!
- Olha a velhota assanhada!
- Tem cara de marmelada!
- Olha a negra na janela!
- Tem cara de panela!
- Olha a negra no fogão!
- Tem cara de tição!
- Hoje tem goiabada?
- Tem, sim senhor!
- Olha a velhota assanhada!
- Tem cara de marmelada!
- Olha a negra na janela!
- Tem cara de panela!
- Olha a negra no fogão!
- Tem cara de tição!
Da literatura infantil, pulemos
para a outra (às vezes tão infantil quanto a primeira...). No romance Jubiabá,
de Jorge Amado (Rio de Janeiro, José Olímpio, 1953), deparo outro tópico, no
capítulo "Circo", à página 237, em que se descreve também como se
fazia o pregão do espetáculo. Vale a pena transcrever o trecho:
- E o
palhaço o que é?
- É ladrão de mulher...
- Olha a negra na janela...
- Com cara de panela...
- É ladrão de mulher...
- Olha a negra na janela...
- Com cara de panela...
O palhaço Bolão vai montado de costas
num jumento. No fundo da cidade o circo domina. Cheio de bardeiras, com dois
anúncios na porta. De noite a música tocará ali e negras venderão cocada. A
cidade só fala no circo, nas artistas, na negra que dança quase nua e principalmente
no negro Baldo que desafia os homens de Feira de Santa (...) O palhaço está
atravessando o largo da Feira:
- Hoje
tem espetáculo?
- Tem, sim senhor...
- Tem, sim senhor...
Os meninos que vieram das fazendas
trazer rapadura e requeijão para vender olham com inveja os moleques da cidade
que acompanham o palhaço e entrarão de graça no circo.
- Hoje
tem espetáculo?
Ao que um séquito imenso de
garotos respondia, em coro:
- Tem, sim sinhô!
- Às oito horas da noite?
- Tem, sim sinhô!
- O palhaço o que é?
- É ladrão de muié!
E, mais adiante:
- Olha a negra na janela...
- Tem a cara de panela!
- Tecos, terecos, tecos...
- Maravilha!
- Quem pelou a mãe?
- Foi a filha...
Todo o mundo corria a ver o
palhaço.
- Olha a negra no portão...
- Tem cara de tição!
Parava o burro, fazia caretas e
trejeitos:
- Inzora, inzora, acabou-se
a história!
- Bravos o palhaço que já vai simbora!
Esses versos, ouvidos no sul ou no
norte do país, são mais ou menos os mesmos que por aqui se entoavam nos pregões
circenses.
Meu prezado amigo Aldércio Aquino
(que, diga-se como ressalva, não acompanhou, em menino, os palhaços de
circo...) forneceu-me ótimo e vivo material referente a essas versalhadas
brejeiras. Não me seria possível dá-las aqui sem espichar de muito estes
rabiscos.
(Guilherme Santos Neves. "Hoje tem espetáculo? - Tem sim sinhô..."
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