(1866-1918)
Emílio de Menezes deixou um rastro de
anedotas, ainda não recolhidas com o devido cuidado histórico. É possível que
algumas nem tenha sido criadas ou vividas pelo poeta e a comunicação oral já tenha
aumentado mais alguns pontos nas sucessivas narrações. Mas as que aqui
transcrevemos têm o sabor do humor emiliano.
I
Emílio de Menezes estava em um bonde,
no Rio de Janeiro, quando entrou uma conhecida atriz que não lhe erra muito
simpática, mas que sempre o assediava, quando se encontravam. Ela procurou
sentar no lugar vago a seu lado, mas o poeta lhe desencorajou com uma pronta
observação, após verificar que havia lugares disponíveis mais atrás:
-
Atriz atroz, atrás há três!
II
Em um de seus prediletos pontos de
observação – a mesa de um bar – Emílio bebia com amigos quando vê passar uma
pessoa com fama de conquistador, de nome Penha. Os amigos comentaram que Penha
estava, no momento, sofrendo de males de amor não correspondido por uma mulher
de duvidosa reputação. O poeta saiu-se com esta:
- Um
homem que se diz Penha sofrendo por uma mulher que se disputa…
III
Manhã de sexta-feira santa. As
famílias de Curitiba saem das missas de rememoração da morte de Cristo. Algumas
passam pela Praça Osório e encontram Emílio embriagado, amparando-se em uma das
palmeiras do logradouro. Imediatamente reconhecido, vão até ele e o censuram.
-
Emílio, mas nem o dia de hoje, em que todos se recolhem para lembrar a morte de
Nosso Senhor, você respeita?
Nem sua
visível embriaguez não o impede de uma tirada inteligente:
- Não foi no dia de hoje
que se cometeu o maior crime da humanidade, em que mataram o Filho de Deus
feito homem?
- Foi, é claro!… - responderam os piedosos
conhecidos. E ele completou:
- Pois
quando a divindade sucumbe, a humanidade cambaleia…
IV
Mesmo cenário: Praça Osório, no
centro de Curitiba. Postado em sua mesa, em um bar, com vista para a praça,
Emílio vê uma senhora bastante obesa a tentar acomodar sua massa corporal em um
banco de madeira. Mas o assento não suporta o peso e cede, para susto da
untuosa dama. Emilio não demora a fazer sua observação:
- É a
primeira vez que vejo um banco quebrar por excesso de fundos…
V
Perguntam-lhe:
-
Emílio, sabes qual a parte mais bonita do corpo da mulher?
-
Sei-o!
VI
O poeta visitava uma exposição
agrícola e deteve-se a examinar alguns exemplares de espigas de milho, no
pavilhão de cereais. Aparece a seu lado um amigo espirituoso que, sabendo das
qualidades de Emílio como trocadilhista, quis antecipar-se e disse:
- É
milho!…
Emílio nem
sequer sorriu pela blague a ele dirigida e logo respondeu:
- Hum,
estás com a veia, hoje?
O humorista improvisado percebeu que
não poderia concorrer com a veia cômica de Emílio e fez menção de despedir-se e
sair de fininho. Mas o poeta o interceptou:
- Não,
não se evada.
E puxou-o
até uma cadeia próxima, colocando-o sobre o assento.
-
Pronto: sentei-o. Mas não te preocupes. A ti não intrigo, somente humilho.
VII
Apertado para aliviar a bexiga, correu
até um terreno baldio. Muito gordo, estava terminando de desafogar-se quando um
menino grita:
- Ih,
eu vi seu negócio!
Emílio
recompõe-se, chama o pirralho e lhe dá uma moeda:
-
Tome, você merece! Há anos não o vejo…
VIII
Certo médico, muito conceituado na
profissão, há muito se candidatara a uma vaga na Academia Brasileira de Letras.
Em uma roda, comentava-se sobre se ele conquistaria a cadeira.
- É mais que certo, -
opinou Emílio; -
Vocês compreendem: há muito tempo, que F. está fazendo uma cabala única para
entrar para a Academia! Não há acadêmico que adoeça, mesmo levemente, que ele
não se ofereça para ser seu médico assistente e de graça…
-
Cavando o voto!… -
interrompe um dos circunstantes.
E Emílio
explica:
- Qual
voto! Cavando a vaga…
IX
Ainda estudante, Emílio se aborrecia
com os discursos certo Professor Saboya, na sala de aula. Percebendo seu
desinteresse, o mestre lhe pergunta:
-
Senhor Emílio, defina a Sabedoria!
Resposta
rápida:
- A sabedoria, professor, é
algo que tem efetivamente muito peso… se colocada n’água, ela afunda.
- E a
ignorância, então?
- A
ignorância? Ora, essa boia!
X
Apertado para aliviar a bexiga,
Emílio correu até um terreno baldio. Muito gordo, estava terminando de
desafogar-se quando um menino grita:
− Ih, eu vi seu negócio!
Emílio recompõe-se, chama o pirralho e lhe dá uma moeda:
− Tome, você merece! Há anos não o vejo…
A morte
No leito de
morte, em seus momentos derradeiros, Emílio não sentia mais as pernas:
-
Doutor, estou morrendo à prestação...
Nome completo: Emílio Nunes Correia de Menezes.
Morte: 6 de junho de 1918 (51 anos); Rio de
Janeiro, Distrito Federal.
Temido em vida pelas suas sátiras
ferinas, não foi Emílio de Menezes poupado pelos inimigos, mesmo depois de
morto. À falta de coisa pior. chamaram-no de alcoólatra. Nada mais falso,
Emílio teria sido, quando muito, um clicoófilo. Gostava de beber, apreciava os
bons vinhos e licores.
Mas nunca bebia além de sua conta, a
ponto de perder o juízo, Jamais o viram embriagado. Tinha, mesmo, um pitoresco
slogan que aplicava constantemente como advertência aos amigos que se
esborrachavam: “Beber é um prazer; saber beber, uma virtude; embriagar-se, uma
infâmia”.
Organicamente bem construído, de
admirável resistência física, não era facilmente acessível à intoxicação
alcoólica, Mas bebia em
público. Homens com a sua projeção vivem debaixo de constante
fiscalização alheia. Podia ele estar tomando o seu primeiro uísque, porém, para
quem o via, o copo à frente, à mesa da Colombo, aquele era o quinto ou o décimo...
Mas o que ressaltava na personalidade
marcante do grande satirista e notável poeta, era a boemia. Sempre muito bem
humorado, sem uma palavra de revolta nos lábios.
Bastos Tigre, no dia seguinte ao da
morte do querido e pranteado amigo, escreveu este soneto:
- Poeta amigo, alcançaste a estância derradeira.
Passaste. E todos nós, vendo-te em teu caixão,
Passaste. E todos nós, vendo-te em teu caixão,
indagamos: - E a Musa? E a Musa galhofeira?
E a satírica? E a séria? E a triste? Onde é que estão?
Nenhum apareceu à tua cabeceira.
- Mas não os condeneis, pulcro espírito, não!
Fugiram por te ver da negra cova à beira,
sem te poder valer, sem te dar salvação.
E morreste alma boa, alma pura, descansa
neste - sabes-lo tu - misterioso lugar
em que o “Nada” final sobre o “Tudo” se lança.
E eu me fico a sorrir tristemente, a pensar,
que é mais “uma do Emílio”... a animar a esperança
de que vives ainda e que estás a brincar...
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