domingo, 21 de setembro de 2014

Humor de Emílio de Menezes

(1866-1918)


Emílio de Menezes deixou um rastro de anedotas, ainda não recolhidas com o devido cuidado histórico. É possível que algumas nem tenha sido criadas ou vividas pelo poeta e a comunicação oral já tenha aumentado mais alguns pontos nas sucessivas narrações. Mas as que aqui transcrevemos têm o sabor do humor emiliano.

I

Emílio de Menezes estava em um bonde, no Rio de Janeiro, quando entrou uma conhecida atriz que não lhe erra muito simpática, mas que sempre o assediava, quando se encontravam. Ela procurou sentar no lugar vago a seu lado, mas o poeta lhe desencorajou com uma pronta observação, após verificar que havia lugares disponíveis mais atrás:
- Atriz atroz, atrás há três!

II

Em um de seus prediletos pontos de observação – a mesa de um bar – Emílio bebia com amigos quando vê passar uma pessoa com fama de conquistador, de nome Penha. Os amigos comentaram que Penha estava, no momento, sofrendo de males de amor não correspondido por uma mulher de duvidosa reputação. O poeta saiu-se com esta:
- Um homem que se diz Penha sofrendo por uma mulher que se disputa…

III

Manhã de sexta-feira santa. As famílias de Curitiba saem das missas de rememoração da morte de Cristo. Algumas passam pela Praça Osório e encontram Emílio embriagado, amparando-se em uma das palmeiras do logradouro. Imediatamente reconhecido, vão até ele e o censuram.
- Emílio, mas nem o dia de hoje, em que todos se recolhem para lembrar a morte de Nosso Senhor, você respeita?
Nem sua visível embriaguez não o impede de uma tirada inteligente:
- Não foi no dia de hoje que se cometeu o maior crime da humanidade, em que mataram o Filho de Deus feito homem?
- Foi, é claro!… - responderam os piedosos conhecidos. E ele completou:
- Pois quando a divindade sucumbe, a humanidade cambaleia…

IV

Mesmo cenário: Praça Osório, no centro de Curitiba. Postado em sua mesa, em um bar, com vista para a praça, Emílio vê uma senhora bastante obesa a tentar acomodar sua massa corporal em um banco de madeira. Mas o assento não suporta o peso e cede, para susto da untuosa dama. Emilio não demora a fazer sua observação:
- É a primeira vez que vejo um banco quebrar por excesso de fundos…

V

Perguntam-lhe:
- Emílio, sabes qual a parte mais bonita do corpo da mulher?
- Sei-o!

VI

O poeta visitava uma exposição agrícola e deteve-se a examinar alguns exemplares de espigas de milho, no pavilhão de cereais. Aparece a seu lado um amigo espirituoso que, sabendo das qualidades de Emílio como trocadilhista, quis antecipar-se e disse:
- É milho!…
Emílio nem sequer sorriu pela blague a ele dirigida e logo respondeu:
- Hum, estás com a veia, hoje?
O humorista improvisado percebeu que não poderia concorrer com a veia cômica de Emílio e fez menção de despedir-se e sair de fininho. Mas o poeta o interceptou:
- Não, não se evada.
E puxou-o até uma cadeia próxima, colocando-o sobre o assento.
- Pronto: sentei-o. Mas não te preocupes. A ti não intrigo, somente humilho.

VII

Apertado para aliviar a bexiga, correu até um terreno baldio. Muito gordo, estava terminando de desafogar-se quando um menino grita:
- Ih, eu vi seu negócio!
Emílio recompõe-se, chama o pirralho e lhe dá uma moeda:
- Tome, você merece! Há anos não o vejo…

VIII

Certo médico, muito conceituado na profissão, há muito se candidatara a uma vaga na Academia Brasileira de Letras. Em uma roda, comentava-se sobre se ele conquistaria a cadeira.
- É mais que certo, - opinou Emílio; - Vocês compreendem: há muito tempo, que F. está fazendo uma cabala única para entrar para a Academia! Não há acadêmico que adoeça, mesmo levemente, que ele não se ofereça para ser seu médico assistente e de graça…
- Cavando o voto!… - interrompe um dos circunstantes.
E Emílio explica:
- Qual voto! Cavando a vaga…

IX

Ainda estudante, Emílio se aborrecia com os discursos certo Professor Saboya, na sala de aula. Percebendo seu desinteresse, o mestre lhe pergunta:
- Senhor Emílio, defina a Sabedoria!
Resposta rápida:
- A sabedoria, professor, é algo que tem efetivamente muito peso… se colocada n’água, ela afunda.
- E a ignorância, então?
- A ignorância? Ora, essa boia!

X

Apertado para aliviar a bexiga, Emílio correu até um terreno baldio. Muito gordo, estava terminando de desafogar-se quando um menino grita:
− Ih, eu vi seu negócio!
Emílio recompõe-se, chama o pirralho e lhe dá uma moeda:
− Tome, você merece! Há anos não o vejo…

A morte

No leito de morte, em seus momentos derradeiros, Emílio não sentia mais as pernas:
- Doutor, estou morrendo à prestação...

Nome completo: Emílio Nunes Correia de Menezes.
Morte: 6 de junho de 1918 (51 anos); Rio de Janeiro, Distrito Federal.


Temido em vida pelas suas sátiras ferinas, não foi Emílio de Menezes poupado pelos inimigos, mesmo depois de morto. À falta de coisa pior. chamaram-no de alcoólatra. Nada mais falso, Emílio teria sido, quando muito, um clicoófilo. Gostava de beber, apreciava os bons vinhos e licores.

Mas nunca bebia além de sua conta, a ponto de perder o juízo, Jamais o viram embriagado. Tinha, mesmo, um pitoresco slogan que aplicava constantemente como advertência aos amigos que se esborrachavam: “Beber é um prazer; saber beber, uma virtude; embriagar-se, uma infâmia”.

Organicamente bem construído, de admirável resistência física, não era facilmente acessível à intoxicação alcoólica, Mas bebia em público. Homens com a sua projeção vivem debaixo de constante fiscalização alheia. Podia ele estar tomando o seu primeiro uísque, porém, para quem o via, o copo à frente, à mesa da Colombo, aquele era o quinto ou o décimo...

Mas o que ressaltava na personalidade marcante do grande satirista e notável poeta, era a boemia. Sempre muito bem humorado, sem uma palavra de revolta nos lábios.

Bastos Tigre, no dia seguinte ao da morte do querido e pranteado amigo, escreveu este soneto:

- Poeta amigo, alcançaste a estância derradeira.
Passaste. E todos nós, vendo-te em teu caixão,
indagamos: - E a Musa? E a Musa galhofeira?
E a satírica? E a séria? E a triste? Onde é que estão?

Nenhum apareceu à tua cabeceira.
- Mas não os condeneis, pulcro espírito, não!
Fugiram por te ver da negra cova à beira,
sem te poder valer, sem te dar salvação.

E morreste alma boa, alma pura, descansa
neste - sabes-lo tu - misterioso lugar
em que o “Nada” final sobre o “Tudo” se lança.

E eu me fico a sorrir tristemente, a pensar,
que é mais “uma do Emílio”... a animar a esperança
de que vives ainda e que estás a brincar...


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