sábado, 24 de outubro de 2015

Geraldo Pereira encontra Madame Satã



Geraldo Pereira

Geraldo Pereira era um sambista fabuloso que nasceu em Juiz de Fora (MG), mas foi pro Rio ainda moleque. Mudou para a Mangueira em 1930, logo se enturmando nas rodas de samba. Seu canto, como o de muitos sambistas que não frequentavam o rádio, era natural, chamando a atenção de João Gilberto. Pois o pai da bossa nova colou no malandro por algum tempo, falando pouco e aprendendo muito, com a segurança de que Geraldo, bom de briga, não deixava ninguém folgar com o baiano, tímido e pacato. Geraldo levava João Gilberto para as quebradas. Posteriormente, João gravaria temas de Geraldo Pereira como Bolinha de papel e Falsa baiana. Mas o mangueirense tinha outros tão famosos quanto, como Cabritada mal sucedida, Escurinha (gravada por Cartola), Escurinho, Você está sumindo. Foi gravado por Cyro Monteiro, Roberto Silva, Chico Buarque, Paulinho da Viola, Cauby Peixoto, Gal Costa, Zimbo Trio. Era da verve de Noel Rosa, cronista, com uma compreensão de ritmo tão melódica quanto sincopada.


Madame Satã

Tenho a impressão de que a mania de usar diminutivo, corrente na bossa nova, tem influência dele, embora Vinícius de Moraes fosse um adepto em sua constante busca de intimidade.

O fato é que Geraldo, mesmo esquentado, mantinha bons amigos. Entre eles, Klecius Caldas e Billy Blanco. Quando Klecius resolveu se casar, Geraldo apareceu na cerimônia sem terno. Acostumado às poucas firulas da malandragem, ficou constrangido ao ver todo mundo na estica.

Chegou para o noivo e se desculpou: “Se eu soubesse que o negócio era assim, eu tinha jogado um pano legal em cima”, reclamou, segundo depoimento do próprio Billy Blanco ao programa Ensaio (1973), de Fernando Faro.

Bamba do samba e do violão, Billy Blanco, paraense radicado no Rio, não perdoou. Fez Samba de Doutor: “Se eu soubesse como era o ambiente/ Decente/ Jogava um pano legal/ Por cima de mim”.

O triste da história é que Geraldo bebia demais e, num dia, entrou em discussão com Madame Satã, conhecido malandro da Lapa. Por causa de um copo de cerveja. Homossexual assumido, craque da navalha, Satã era alto* e valente. Exigia respeito.

* ... Mas Geraldo Pereira era muito mais alto que Madame Satã. Só que este brigava muito mais.

Em entrevista ao jornal O Pasquim, em maio de 1971, Madame Satã conta a briga:

Eu fui acusado de matar Geraldo Pereira com um soco. Mas o caso foi o seguinte: eu entrei no [bar] Capela* e estava sentado tomando um chope. Ele chegou com uma amante dele, pediu dois chopes e sentou ao meu lado. Aí tomou uns goles do chope dele e cismou que eu tinha que tomar o dele e ele tinha que tomar o meu. Ele pegou meu copo e eu disse: “Olha, esse chope aí é meu”. Aí ele achou que o chope era dele e não o meu. Então eu peguei meu copo e levei para a minha mesa. Aí ele se levantou e me chamou para a briga. Disse uma porção de desaforos, uma porção de palavras obscenas, eu não sei nem dizer essas coisas. Aí eu perdi a paciência, dei um soco nele, ele caiu com a cabeça no meio-fio e morreu. Mas ele morreu por desleixo do médico, porque foi para a assistência vivo.

*O bar Capela existe até hoje na rua Mem de Sá, na Lapa, com o nome de Novo Capela.

Já o Dicionário de MPB, do pesquisador Cravo Albin, garante que Geraldo morreu de hemorragia intestinal, após a briga com Madame Satã.

Por outro crime, o malandro da Lapa cumpriu 27 anos de pena. Na entrevista ao Pasquim, Madame Satã afirmou que foi condenado “injustamente” por matar um guarda.
Sérgio Cabral (o pai, jornalista e pesquisador) pergunta:
‒ Mas você não deu o tiro no guarda?
Madame Satã:
‒ Não, o revólver é que disparou na minha mão. Casualmente.
Sérgio:
‒ Foi a bala que matou?
Madame Satã:
‒ A bala fez o buraco. Quem matou foi Deus.

Geraldo Pereira morreu em 1955, aos 37 anos. Deixou mais de 300 sambas. Pelo menos 100 foram gravados.

Do site Máquina do Som

Outra versão

Uma das versões conta que sua morte aconteceu logo depois de uma briga de bar – por causa de um copo de chope – com Satã, que, como vimos, ostentava a fama de valente. Depois da discussão no Restaurante Capela, na Lapa, Satã teria acertado um soco no rosto de Geraldo Pereira, que, bêbado, perde o equilíbrio e cai na calçada, na porta do bar. Com a queda, bate com a cabeça no meio-fio, ficando desacordado, sendo carregado para o Hospital dos Servidores, onde morreu dois dias depois de “hemorragia intestinal reincidente”. Muitos de seus amigos, porém, garantem que ele morreu de câncer.

A briga na visão de Mário Lago

Não, era um outro tipo de vida... A única coisa violenta que eu vi foram duas: a prisão do Madame Satã, que não era fácil pra prender. Nunca foi preso por menos de seis guardas, jogava muito com a perna, né?... E a briga dele com Geraldo Pereira. O Madame Satã era uma moça e o Geraldo Pereira também era uma moça, quando não estava de porre. Quando estava de porre, ele saía procurando briga. E lá na Lapa ele cismou com o Madame Satã, cismou... ficava dizendo “Você é viado!...”, “Tá bem, seu Geraldo...”. Até que o Geraldo disse: “Vou lhe dar uma porrada...”. Aí ele disse: “Ah, não vai não...”. E o Madame Satã só dava rabo de arraia na barriga do Geraldo, que tinha um câncer no intestino.. Estourou o cano. Porque quando ele foi dar uma porrada: “Ah, não vai não, seu Geraldo...”. O Madame Satã era difícil de pegar, chinelinho de salto alto, tamanquinho todo florido e tal...

Sobre a ética de Geraldo Pereira

“Chegando ao hospital, fui encontrar o Geraldo Pereira numa cama de enfermaria coletiva e soube que estava com hemorragia interna. Seu chamado tinha por objetivo pedir que eu não permitisse qualquer investigação caso ele morresse.

Não demorou para que isso acontecesse, e, durante muitos anos, fiquei com uma interrogação angustiante a respeito dos motivos de tão estranho pedido. Só há pouco tempo, lendo o depoimento de alguém que viveu na Lapa, soube que havia a suspeita de que o Geraldo tivesse morrido em consequência de um soco no estômago dado pelo travesti Madame Satã, um homossexual perigoso que botava a polícia para correr. Se isso for verdade, dá para entender a preocupação dele, que sobrepunha o código de honra da malandragem ao natural pavor da morte.”

Do livro:

“Pelas Esquinas do Rio - Tempos Idos e Jamais Esquecidos”, 

de Klecius Caldas

A notícia nos Jornais:

Morre o sambista Geraldo Pereira

Depois de uma semana internado no Hospital dos Servidores da Prefeitura, morreu ontem o cantor e compositor Geraldo Theodoro Pereira, mais conhecido como Geraldo Pereira.

Geraldo Pereira foi hospitalizado depois de uma briga no Bar Capela envolvendo o famoso boêmio carioca Joaquim Francisco dos Santos o Madame Satã. O estado de saúde de Geraldo Pereira não era bom. Antes mesmo do acontecido o sambista vinha sofrendo havia algum tempo de cólicas intestinais, evacuando sangue e com crises sistemáticas de vômito.

Segundo frequentadores do bar situado na Lapa, Geraldo e Madame Satã discutiam muito. “Depois de muito discutir, os dois começaram a brigar, aí meu amigo, ninguém nem tentou entrar no meio. O Pereira daquele tamanho todo, e Madame Satã capoeira como ele é... Foi soco e pé pra tudo enquanto é lado, até que o Satã acertou um soco muito do bem dado no Pereira, ele caiu e bateu com a cabeça no meio fio” afirmou Fininho, garçom do bar Capela.

O fim de Madame Satã

O ano de 1976 marca a despedida de Madame Satã. Magro e adoentado, em fevereiro, ele dá entrada num hospital como indigente. Logo, Jaguar e o pessoal do Pasquim ficam sabendo de seu estado e providenciam sua transferência para o hospital do INPS de Ipanema. Diagnosticado com câncer de pulmão em estágio avançado, dessa vez ele não brigou. Faleceu em 12 de abril. O cortejo foi acompanhado por uma de suas filhas e seu corpo, sepultado no cemitério da Vila do Abraão, em Ilha Grande, a mesma que abrigou o presídio por onde Satã passou diversas vezes.


João Francisco dos Santos (Madame Satã) 25 de fevereiro de 1900  Glória do Goitá-PE, 11 de abril de 1976  Rio de Janeiro.


4 comentários:

  1. Muito interessante seu artigo. Acabei de assistir "As Grandes Entrevistas do Pasquim", tendo como convidado o Madame Satã. Achei tão interessante que, pesquisando, achei seu blog. Parabéns pelo blog e pela pesquisa, mesmo que esses parabéns estejam quase um ano atrasado. Abraço e sucesso!

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  2. Grato pela gentileza, meu amigo, são palavras como as suas que fazem a gente prosseguir...

    Nilo Moraes

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  3. o Geraldo pereira é sem sobra de dúvida um imenso compositor. Deixou o clássica samba ;' falsa baiana' dentro tantos outros. Assassinado por covarde, que nem gênero tinha, por certo deverá estar com o chefe. A tal "madame" deve estar bem instalado no reino das trevas.

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  4. Amigo anônimo, na verdade, quem provocou a briga, por ser alcoólatra, foi Geraldo Pereira. Na briga, levou a pior por seu estado de saúde (cirrose hepática) debilitado. Numa coisa concordamos: Geraldo Pereira foi um imenso compositor.

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