Geraldo Pereira
Geraldo Pereira era um sambista
fabuloso que nasceu em Juiz de Fora (MG), mas foi pro Rio ainda moleque. Mudou
para a Mangueira em 1930, logo se enturmando nas rodas de samba. Seu canto,
como o de muitos sambistas que não frequentavam o rádio, era natural, chamando
a atenção de João Gilberto. Pois o pai da bossa nova colou no malandro por
algum tempo, falando pouco e aprendendo muito, com a segurança de que Geraldo,
bom de briga, não deixava ninguém folgar com o baiano, tímido e pacato. Geraldo
levava João Gilberto para as quebradas. Posteriormente, João gravaria temas de
Geraldo Pereira como Bolinha de papel e Falsa baiana. Mas o mangueirense tinha outros tão
famosos quanto, como Cabritada mal sucedida, Escurinha (gravada por
Cartola), Escurinho, Você está sumindo. Foi gravado por Cyro
Monteiro, Roberto Silva, Chico Buarque, Paulinho da Viola, Cauby Peixoto, Gal
Costa, Zimbo Trio. Era da verve de Noel Rosa, cronista, com uma compreensão de
ritmo tão melódica quanto sincopada.
Madame Satã
Tenho a impressão de que a mania
de usar diminutivo, corrente na bossa nova, tem influência dele, embora
Vinícius de Moraes fosse um adepto em sua constante busca de intimidade.
O fato é que Geraldo, mesmo
esquentado, mantinha bons amigos. Entre eles, Klecius Caldas e Billy Blanco.
Quando Klecius resolveu se casar, Geraldo apareceu na cerimônia sem terno.
Acostumado às poucas firulas da malandragem, ficou constrangido ao ver todo
mundo na estica.
Chegou para o noivo e se desculpou:
“Se eu soubesse que o negócio era assim, eu tinha jogado um pano legal em
cima”, reclamou, segundo depoimento do próprio Billy Blanco ao programa Ensaio (1973),
de Fernando Faro.
Bamba do samba e do violão, Billy
Blanco, paraense radicado no Rio, não perdoou. Fez Samba de Doutor: “Se eu soubesse como era o ambiente/ Decente/
Jogava um pano legal/ Por cima de mim”.
O triste da história é que Geraldo
bebia demais e, num dia, entrou em discussão com Madame Satã, conhecido
malandro da Lapa. Por causa de um copo de cerveja. Homossexual assumido, craque
da navalha, Satã era alto* e valente. Exigia respeito.
* ... Mas Geraldo Pereira era muito mais alto que Madame Satã. Só que este brigava muito mais.
* ... Mas Geraldo Pereira era muito mais alto que Madame Satã. Só que este brigava muito mais.
Em entrevista
ao jornal O Pasquim, em maio de 1971, Madame Satã conta a briga:
‒ Eu fui acusado de matar Geraldo
Pereira com um soco. Mas o caso foi o seguinte: eu entrei no [bar] Capela* e
estava sentado tomando um chope. Ele chegou com uma amante dele, pediu dois
chopes e sentou ao meu lado. Aí tomou uns goles do chope dele e cismou que eu
tinha que tomar o dele e ele tinha que tomar o meu. Ele pegou meu copo e eu
disse: “Olha, esse chope aí é meu”. Aí ele achou que o chope era dele e não o
meu. Então eu peguei meu copo e levei para a minha mesa. Aí ele se levantou e
me chamou para a briga. Disse uma porção de desaforos, uma porção de palavras
obscenas, eu não sei nem dizer essas coisas. Aí eu perdi a paciência, dei um
soco nele, ele caiu com a cabeça no meio-fio e morreu. Mas ele morreu por
desleixo do médico, porque foi para a assistência vivo.
*O bar Capela existe até hoje na rua Mem de Sá, na Lapa, com o nome de Novo Capela.
*O bar Capela existe até hoje na rua Mem de Sá, na Lapa, com o nome de Novo Capela.
Já o Dicionário de MPB, do
pesquisador Cravo Albin, garante que Geraldo morreu de hemorragia intestinal,
após a briga com Madame Satã.
Por outro crime, o malandro da Lapa
cumpriu 27 anos de pena. Na entrevista ao Pasquim, Madame Satã afirmou que foi
condenado “injustamente” por matar um guarda.
Sérgio Cabral (o pai, jornalista e pesquisador) pergunta:
Sérgio Cabral (o pai, jornalista e pesquisador) pergunta:
‒ Mas você
não deu o tiro no guarda?
Madame Satã:
‒ Não, o revólver é que disparou na minha mão. Casualmente.
‒ Não, o revólver é que disparou na minha mão. Casualmente.
Sérgio:
‒ Foi a bala que matou?
‒ Foi a bala que matou?
Madame Satã:
‒ A bala fez o buraco. Quem matou foi Deus.
‒ A bala fez o buraco. Quem matou foi Deus.
Geraldo Pereira morreu em 1955, aos
37 anos. Deixou mais de 300 sambas. Pelo menos 100 foram gravados.
Do site Máquina do Som
Outra versão
Uma das versões conta que sua morte
aconteceu logo depois de uma briga de bar – por causa de um copo de chope – com
Satã, que, como vimos, ostentava a fama de valente. Depois da discussão no
Restaurante Capela, na Lapa, Satã teria acertado um soco no rosto de Geraldo
Pereira, que, bêbado, perde o equilíbrio e cai na calçada, na porta do bar. Com
a queda, bate com a cabeça no meio-fio, ficando desacordado, sendo carregado
para o Hospital dos Servidores, onde morreu dois dias depois de “hemorragia
intestinal reincidente”. Muitos de seus amigos, porém, garantem que ele morreu
de câncer.
A briga na visão de Mário Lago
Não, era um outro tipo de vida...
A única coisa violenta que eu vi foram duas: a prisão do Madame Satã, que não
era fácil pra prender. Nunca foi preso por menos de seis guardas, jogava muito
com a perna, né?... E a briga dele com Geraldo Pereira. O Madame Satã era uma
moça e o Geraldo Pereira também era uma moça, quando não estava de porre.
Quando estava de porre, ele saía procurando briga. E lá na Lapa ele cismou com
o Madame Satã, cismou... ficava dizendo “Você é viado!...”, “Tá bem, seu
Geraldo...”. Até que o Geraldo disse: “Vou lhe dar uma porrada...”. Aí ele
disse: “Ah, não vai não...”. E o Madame Satã só dava rabo de arraia na barriga
do Geraldo, que tinha um câncer no intestino.. Estourou o cano. Porque quando
ele foi dar uma porrada: “Ah, não vai não, seu Geraldo...”. O Madame Satã era
difícil de pegar, chinelinho de salto alto, tamanquinho todo florido e tal...
Sobre a ética de Geraldo Pereira
“Chegando ao hospital, fui encontrar
o Geraldo Pereira numa cama de enfermaria coletiva e soube que estava com
hemorragia interna. Seu chamado tinha por objetivo pedir que eu não permitisse
qualquer investigação caso ele morresse.
Não demorou para que isso acontecesse,
e, durante muitos anos, fiquei com uma interrogação angustiante a respeito dos
motivos de tão estranho pedido. Só há pouco tempo, lendo o depoimento de alguém
que viveu na Lapa, soube que havia a suspeita de que o Geraldo tivesse morrido
em consequência de um soco no estômago dado pelo travesti Madame Satã, um
homossexual perigoso que botava a polícia para correr. Se isso for verdade, dá
para entender a preocupação dele, que sobrepunha o código de honra da
malandragem ao natural pavor da morte.”
Do livro:
“Pelas Esquinas do Rio - Tempos Idos e Jamais Esquecidos”,
“Pelas Esquinas do Rio - Tempos Idos e Jamais Esquecidos”,
de Klecius Caldas
A notícia nos Jornais:
Morre o sambista
Geraldo Pereira
Depois de uma semana internado no
Hospital dos Servidores da Prefeitura, morreu ontem o cantor e compositor Geraldo
Theodoro Pereira, mais conhecido como Geraldo Pereira.
Geraldo Pereira foi hospitalizado depois de uma briga no Bar Capela envolvendo o famoso boêmio carioca Joaquim Francisco dos Santos o Madame Satã. O estado de saúde de Geraldo Pereira não era bom. Antes mesmo do acontecido o sambista vinha sofrendo havia algum tempo de cólicas intestinais, evacuando sangue e com crises sistemáticas de vômito.
Geraldo Pereira foi hospitalizado depois de uma briga no Bar Capela envolvendo o famoso boêmio carioca Joaquim Francisco dos Santos o Madame Satã. O estado de saúde de Geraldo Pereira não era bom. Antes mesmo do acontecido o sambista vinha sofrendo havia algum tempo de cólicas intestinais, evacuando sangue e com crises sistemáticas de vômito.
Segundo frequentadores do bar situado na Lapa, Geraldo e Madame Satã discutiam muito. “Depois de muito discutir, os dois começaram a brigar, aí meu amigo, ninguém nem tentou entrar no meio. O Pereira daquele tamanho todo, e Madame Satã capoeira como ele é... Foi soco e pé pra tudo enquanto é lado, até que o Satã acertou um soco muito do bem dado no Pereira, ele caiu e bateu com a cabeça no meio fio” afirmou Fininho, garçom do bar Capela.
O fim de Madame Satã
O ano de 1976 marca a despedida de
Madame Satã. Magro e adoentado, em fevereiro, ele dá entrada num hospital como
indigente. Logo, Jaguar e o pessoal do Pasquim ficam sabendo de seu estado e
providenciam sua transferência para o hospital do INPS de Ipanema.
Diagnosticado com câncer de pulmão em estágio avançado, dessa vez ele não
brigou. Faleceu em 12 de abril. O cortejo foi acompanhado por uma de suas
filhas e seu corpo, sepultado no cemitério da Vila do Abraão, em Ilha Grande , a mesma
que abrigou o presídio por onde Satã passou diversas vezes.
João Francisco dos Santos (Madame Satã) 25 de fevereiro de 1900 − Glória do Goitá-PE, 11 de abril de 1976 − Rio de Janeiro.
Muito interessante seu artigo. Acabei de assistir "As Grandes Entrevistas do Pasquim", tendo como convidado o Madame Satã. Achei tão interessante que, pesquisando, achei seu blog. Parabéns pelo blog e pela pesquisa, mesmo que esses parabéns estejam quase um ano atrasado. Abraço e sucesso!
ResponderExcluirGrato pela gentileza, meu amigo, são palavras como as suas que fazem a gente prosseguir...
ResponderExcluirNilo Moraes
o Geraldo pereira é sem sobra de dúvida um imenso compositor. Deixou o clássica samba ;' falsa baiana' dentro tantos outros. Assassinado por covarde, que nem gênero tinha, por certo deverá estar com o chefe. A tal "madame" deve estar bem instalado no reino das trevas.
ResponderExcluirAmigo anônimo, na verdade, quem provocou a briga, por ser alcoólatra, foi Geraldo Pereira. Na briga, levou a pior por seu estado de saúde (cirrose hepática) debilitado. Numa coisa concordamos: Geraldo Pereira foi um imenso compositor.
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