sábado, 19 de novembro de 2016

Dois amigos e um chato

Sérgio Porto


Os dois estavam tomando um cafezinho no boteco da esquina, antes de partirem para as suas respectivas repartições. Um tinha um nome fácil: era o Zé. O outro tinha um nome desses de dar cãibra em língua de crioulo: era o Flaudemíglio.

Acabado o café o Zé perguntou:

− Vais pra cidade?

− Vou - respondeu Flaudemíglio, acrescentando: − Mas vou pegar o 434, que vai pela Lapa. Eu tenho que entregar uma urinazinha de minha mulher no laboratório da Associação, que é ali na Mem de Sá.

Zé acendeu um cigarro e olhou para a fila do 474, que ia direto pro centro e, por isso, era a fila mais piruada. Tinha gente às pampas.

− Vens comigo? − quis saber Flaudemíglio.

− Não − disse o Zé: − Eu estou atrasado e vou pegar um direto ao centro.

− Então tá − concordou Flaudemíglio, olhando para a outra esquina e, vendo que já vinha o que passava pela Lapa: − Chi! Lá vem o meu… − e correu para o ponto de parada, fazendo sinal para o ônibus parar.

Foi aí que, segurando o guarda-chuva, um embrulho e mais o vidrinho da urinazinha (como ele carinhosamente chamava o material recolhido pela mulher na véspera para o exame de laboratório…), foi aí que o Flaudemíglio se atrapalhou e deixou cair algo no chão.

O motorista, com aquela delicadeza peculiar à classe, já ia botando o carro em movimento, não dando tempo ao passageiro para apanhar o que caíra. Flaudemíglio só teve tempo de berrar para o amigo:

− Zé, caiu minha carteira de identidade. Apanha e me entrega logo mais.

O 434 seguiu e Zé atravessou a rua, para apanhar a carteira do outro. Já estava chegando perto quando um cidadão, magrela e antipático, e, ainda por cima, com sorriso de Juraci Magalhães, apanhou a carteira de Flaudemíglio.

− Por favor, cavalheiro, esta carteira é de um amigo meu − disse o Zé estendendo a mão.

Mas o que tinha sorriso de Juraci não entregou. Examinou a carteira e depois perguntou:

− Como é o nome do seu amigo?

− Flaudemíglio − respondeu o Zé.

− Flaudemíglio de quê? − insistiu o chato.

Mas o Zé deu-lhe um safanão e tomou-lhe a carteira, dizendo:


− Ora, seu cretino, quem acerta Flaudemíglio não precisa acertar mais nada!


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