Sérgio Porto
Os dois estavam tomando um
cafezinho no boteco da esquina, antes de partirem para as suas respectivas
repartições. Um tinha um nome fácil: era o Zé. O outro tinha um nome desses de
dar cãibra em língua de crioulo: era o Flaudemíglio.
Acabado o café o Zé perguntou:
− Vais pra cidade?
− Vou - respondeu
Flaudemíglio, acrescentando: − Mas vou pegar o 434, que vai pela
Lapa. Eu tenho que entregar uma urinazinha de minha mulher no laboratório da
Associação, que é ali na Mem de Sá.
Zé acendeu um cigarro e olhou
para a fila do 474, que ia direto pro centro e, por isso, era a fila mais
piruada. Tinha gente às pampas.
− Vens comigo? − quis
saber Flaudemíglio.
− Não − disse o
Zé: − Eu estou atrasado e vou pegar um direto ao centro.
− Então tá − concordou
Flaudemíglio, olhando para a outra esquina e, vendo que já vinha o que passava
pela Lapa: − Chi! Lá vem o meu… − e correu para o ponto de
parada, fazendo sinal para o ônibus parar.
Foi aí que, segurando o
guarda-chuva, um embrulho e mais o vidrinho da urinazinha (como ele
carinhosamente chamava o material recolhido pela mulher na véspera para o exame
de laboratório…), foi aí que o Flaudemíglio se atrapalhou e deixou cair algo no
chão.
O motorista, com aquela
delicadeza peculiar à classe, já ia botando o carro em movimento, não dando
tempo ao passageiro para apanhar o que caíra. Flaudemíglio só teve tempo de
berrar para o amigo:
− Zé, caiu minha carteira de
identidade. Apanha e me entrega logo mais.
O 434 seguiu e Zé atravessou a rua,
para apanhar a carteira do outro. Já estava chegando perto quando um cidadão,
magrela e antipático, e, ainda por cima, com sorriso de Juraci Magalhães,
apanhou a carteira de Flaudemíglio.
− Por favor, cavalheiro,
esta carteira é de um amigo meu − disse o Zé estendendo a mão.
Mas o que tinha sorriso de Juraci
não entregou. Examinou a carteira e depois perguntou:
− Como é o nome do seu amigo?
− Flaudemíglio − respondeu
o Zé.
− Flaudemíglio de quê? − insistiu
o chato.
Mas o Zé deu-lhe um safanão e
tomou-lhe a carteira, dizendo:
− Ora, seu cretino, quem
acerta Flaudemíglio não precisa acertar mais nada!
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