segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Os Hinos de Lamartine Babo


Lamartine de Azeredo Babo
(10 de janeiro de 1904 - 16 de junho de 1963)

O Trem da Alegria:

Flamengo, Fluminense, Vasco, América, Botafogo.

Desde 1942, Lamartine vinha fazendo na Rádio Mayrink Veiga um programa de muito sucesso, o “Trem da Alegria”. Ao lado do radialista Héber de Bôscoli, que era o maquinista, e de Yara Sales, foguista, Lalá apresentava-se como guarda-freios do trem. Muito magros, os três intitulavam-se o Trio de Osso, em alusão ao Trio de Ouro, famosos grupo constituído na música popular brasileiro por Herivelto Martins, Dalva de Oliveira e Nilo Chagas.

Foi exatamente no “Trem da Alegria”, programa que ficaria famoso na história do rádio brasileiro, que, de certa feita, Héber de Bôscoli desafiou Lalá a fazer um hino para cada clube de futebol do Rio de Janeiro. Passou ele então a apresentar uma vez por semana, às terças-feiras, o hino dos clubes cariocas que ia compondo.

Sobre o Hino do Flamengo, achava que devia lembrar um hino de guerra, por ser o Flamengo um clube de massa, deste modo compôs para o rubro-negro carioca:

Uma vez Flamengo,
Sempre Flamengo.
Flamengo sempre eu hei de ser!
É o meu maior prazer
vê-lo brilhar...
seja na terra,
seja no mar.
Vencer, vencer, vencer...
Uma vez Flamengo,
Flamengo até morrer!

Na regata,
ele me mata,
me maltrata,
me arrebata
que emoção
no coração!
Consagrado no gramado
Sempre amado,
o mais cotado
Nos Fla-Flus é o Ai, Jesus.
Eu teria um desgosto profundo,
Se faltasse o Flamengo no mundo!
Ele vibra,
ele é fibra,
muita libra já pesou.
Flamengo até morrer eu sou!

Via o Hino do Fluminense, feito na sorveteria Americana, que ficava onde seria depois a garagem do Hotel serrador, hoje prédio adquirido pela Petrobrás, com um toque lírico, devido às características refinadas do clube:

Sou tricolor de coração,
Sou do clube tantas vezes campeão.
Fascina pela sua disciplina,
o Fluminense me domina,
eu tenho amor ao tricolor

Salve o querido pavilhão
Das três cores que traduzem tradição
A paz, a esperança e o vigor
Unido e forte pelo esporte
Eu sou é tricolor.

Vence o Fluminense,
com o verde da esperança,
pois quem espera sempre alcança.
Clube que orgulha o Brasil,
retumbante de glórias
e vitórias mil.

Vence o Fluminense
com o sangue do encarnado,
com amor e com vigor
Faz a torcida querida
Vibrar de emoção o tricampeão.

Vence o Fluminense
usando a fidalguia.
Branco é paz e harmonia,
brilha com o sol da manhã,
com a luz de um refletor,
Salve o Tricolor!

No Hino do América, por quem torcia apaixonadamente, quando perguntado por que introduzira o tra-la-lá na música – de resto calcada sobre uma marcha norte-americana de remadores – respondia que não cabia nos compassos musicais a paixão de devotava ao clube:

Hei de torcer, torcer, torcer...
Hei de torcer até morrer, morrer, morrer,
pois a torcida americana é toda assim
a começar por mim,
a cor do pavilhão é a cor do nosso coração.
Em nossos dias de emoção,
toda torcida cantará esta canção
Tralalá-lá-lá-lá, tralalá-lá-lá-lá, tralalá-lá-lá-lá.

Campeões de 13, 16 e 22, trá-lá-lá.
Temos muitas glórias,
surgirão outras depois, trá-lá-lá.
Campeões com a pelota nos pés,
fabricamos aos montes, aos dez.
Nós inda queremos muito mais!
América!
Unido vencerás!

O Hino do Vasco da Gama chegou a merecer trecho de música portuguesa:

Vamos todos cantar de coração.
A Cruz de Malta é o meu pendão!
Tens o nome de um heroico português,
Vasco da Gama, a tua fama assim se fez.

Tua imensa torcida é bem feliz,
Norte e Sul, Norte e Sul destes Brasis.
Tua estrela, na terra a brilhar,
ilumina o mar.

No atletismo és um braço,
no remo és imortal,
no futebol és o traço
de união Brasil-Portugal.

O Hino do Botafogo mereceu da diretoria um protesto, pois entendeu ela que o... “de 1910”... do trecho... “Botafogo, Botafogo, campeão de 1910”, podia fazer supor que o clube só fora campeão naquele ano. Lamartine, muito diplomaticamente, como era de seu feitio, explicou que, de maneira alguma, aquela não fora sua intenção. Se só citava o ano de 1910 era porque fora aquele o campeonato mais expressivo do clube da estrela solitária, inclusive tendo o Botafogo, na ocasião, ganho o título de “O Glorioso”. Em outras circunstâncias Lalá explicava que escrevera “desde 1910” e não “de 1910”, mas o cantor gravara da segunda maneira, gerando-se então toda a confusão.

Apesar de todos os argumentos, os homens do Botafogo não se deram por satisfeitos e, na gestão em que Ademar Bebiano era vice-presidente, o clube proibiu que o hino fosse tocado no maracanã. Em seu lugar adotou-se como hino oficial do clube o da autoria de Eduardo Souto e Otacílio Gomes. Mas, apesar de toda a intransigência botafoguense, o hino que ficou consagrado na memória popular foi mesmo o de Lamartine Babo.

Botafogo! Botafogo!
Campeão desde 1910!
Foste herói em cada jogo, Botafogo,
por isso é que tu és.
E hás de ser nosso imenso prazer.
Tradições aos milhões tens também.
Tu és O Glorioso, não podes perder,
perder pra ninguém

Noutros esportes tua fibra está presente,
honrando as cores do Brasil e de nossa gente.
Na estrada dos louros, num facho de luz,
tua estrela solitária te conduz!

Foi assim que, se por um lado o desafio de Héber de Bôscoli proporcionou a cada clube da cidade o seu hino, por outro trouxe alguns aborrecimentos a Lalá e nenhum agradecimento por parte das diretorias desses clubes. De todos, apenas a do Fluminense, em reconhecimento, renovava a cada ano o convite a Lamartine para que frequentasse o clube das Laranjeiras.

(Do livro “Tra-la-lá Lamartine Babo”
de Suetônio Valença)


Hinos de Lamartine Babo para os “nanicos” do Rio de Janeiro

Sérgio Rangel, da Folha de S.Paulo, no Rio

Autor dos mais famosos hinos do futebol brasileiro, Lamartine Babo compôs também uma série de marchas” esquecidas de times pequenos do Rio.

São Cristóvão, Bonsucesso, Madureira, Olaria, Bangu e até o desaparecido Canto do Rio, de Niterói, ganharam hinos de um dos mais notáveis nomes do carnaval brasileiro.

As músicas originais praticamente perdidas pelo tempo foram resgatadas pelo músico e pesquisador Alfredo Del-Penho.

As raras gravações podem ser ouvidas no site da Folha Online.

Os hinos dos clubes nanicos” são preciosidades e crônicas do Rio antigo.

O do Bangu, por exemplo, tem a grandiosidade dos hinos dos clubes grandes – a torcida reunida/até parece a do Fla-Flu” – e lembra algo que não acontece mais na cidade, como o comércio fechado por causa da vitória do clube.

Atualmente, o time, que já teve como patrono o bicheiro Castor de Andrade, disputa a segunda divisão do Estadual do Rio e não conquista o título há mais de 40 anos. A última vez que o Bangu levantou o troféu do campeonato foi em 1966.

A pretensa grandiosidade dos clubes também é destaque nos hinos do Olaria – Teu esforço e tua glória/estão crescendo dia-a-dia” – e do Bonsucesso, que tem Leônidas da Silva, um dos poucos jogadores revelados pelo clube, citado na letra. Os dois times nunca conquistaram o Estadual e amargam a periferia do futebol do Rio.

Os hinos que nasceram como marchas foram escritos e apresentados por Babo no programa de rádio Trem da Alegria”, na Rádio Mayrink Veiga, no Rio, nos anos 40.

“Existem algumas versões sobre a composição destas músicas. Anos antes, ele tinha feito o hino do Flamengo, que faz sucesso até hoje. Por isto, uns dizem que ele foi desafiado pelos seus companheiros de programa a compor as marchas restantes. Outros dizem que ele fez essas músicas incentivado por um patrocinador. Ninguém sabe ao certo como começou esta história”, disse o músico e produtor Luís Filipe de Lima.

O hino do Canto do Rio é o que mais chama a atenção. Nele, Babo deixa o futebol praticamente de lado para enaltecer uma morena do Canto do Rio”. Segundo pesquisadores, a homenageada era sua namorada na época.

“As marchas destes times não têm o mesmo nível dos hinos eternizados pelos grandes clubes, mas mostra toda a genialidade do Lamartine de fazer boas letras de temas difíceis”, disse o cantor Pedro Paulo Malta.

Veja a letra e ouça os hinos esquecidos de Lamartine Babo


Hino do Bangu

O Bangu tem também sua história,
sua glória enchendo seus fãs de alegria!
De lá pra cá surgiu o Domingos da Guia.
Em Bangu se o clube vence, há na certa um feriado,
comércio fechado, a torcida reunida até parece a do Fla-Flu,
Bangu! Bangu! Bangu!

O Bangu tem também como divisa na camisa,
o vermelho sangue a brilhar,
e faz cartaz, estouram foguetes no ar.
Em Bangu, se o clube vence, há na certa um feriado,
comércio fechado, a torcida reunida até parece a do Fla-Flu,
Bangu! Bangu! Bangu!

Hino do Bonsucesso

Para a torcida rubro-anil,
palmas eu peço (clap! clap!).
Na Leopoldina, em cada esquina,
quem domina é o Bonsucesso.
Lá surgiu um jogador sensacional,
surgiu Leônidas, o maioral!

Quando a turma joga em casa,
a linha arrasa.
Que baile... Que troça!
A torcida grita em coro,
não há choro,
a vitória hoje é nossa

Hino do Madureira

Nosso ideal é lutar, lutar por ti,
Madureira!
Queremos ver tua bandeira
a tremular pelo ar.

E assim queridos, unidos,
seremos dez, vinte mil.
Em cada glória que temos,
daremos pujança ao esporte do Brasil.

És, Madureira, nosso castelo,
a nossa catedral, ideal,
o sol de muitos anos
dos tricolores suburbanos.

Hino do Olaria

Olaria, teu esforço e tua glória
estão crescendo dia-a-dia.
Olaria, tua pujança, tua vida
envaidecem tua torcida.
Olaria, tua camisa azul e branca
tem um quê de simpatia,
realizando sonhos mil,
tu serás um pioneiro
dos esportes do Brasil.

Clube da faixa azul-celeste,
tu vieste da zona norte.
Clube da faixa azul celeste,
És o esporte pelo esporte.

Hino do Canto do Rio

Aquela morena o Canto do Rio
que torce e faz cena e causa arrepio.
Queimada da praia, na hora do jogo,
ela desmaia e pega fogo (oi!).

Aquela morena do Canto do Rio
que torce e se agita, garota bonita.
Basta o clube empatar,
ela chora que dói,
foge de Nitheroy.

No estádio formoso de Caio Martins,
há dias de gozo, foguetes, clarins.
De noite e de dia, a turma sorri,
enche de alegria, Icarahy (oi!).

Hino do São Cristóvão

São Cristóvão, São Cristóvão teu passado é tão belo,
quantas vitórias em Figueira de Melo.
Quando vences outro clube
Oh, São Cristóvão, pertences
Aos corações são-cristovenses.
Estimulam a tua fibra extraordinária,
os grandes feitos do saudoso Cantuária.
Avante, São Cristóvão, por teu bem, por nosso bem,
pela grandeza dos esportes que esta terra tem.

És de um bairro cuja história tem valor profundo,
bairro ditoso de D. Pedro II.
Quando vais à zona sul jogar com um clube bem forte,
tens a torcida da zona norte.
São Cristóvão, São Cristóvão, teu passado é tão cheio,
aos teus rivais inspiras sempre receio.
Avante, São Cristóvão, por teu bem, por nosso bem,
pela grandeza dos esportes que esta terra tem.




2 comentários:

  1. Este texto já foi publicado neste almanaque, mas isso não quer dizer que não possa ser lido novamente, é só uma observação de quem lê diariamente o ACB.

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    1. Sim, mas não com as explicações contidas num dos melhores livros sobre a vida de Lamartine Babo: "Tra-la-lá - Lamartine babo", de Suetônio Valença, que, finalmente consegui num sebo no Rio de janeiro. De qualquer forma, muito obrigado pela atenção e leitura diária de nosso almanaque.

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