segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Humor do Fraga



Das meias-palavras

Com meias-palavras pode-se dizer tudo. Pela metade.

Meia-palavra aqui, meia-palavra ali e já temos uma mentira completa.

Quem usa de meias-palavras é de inteira desconfiança.

A única vantagem das meias-palavras: são as mais fáceis de engolir.

Para meias-palavras, o dobro de cuidado.

Das deduções mais lógicas

Depois do quebra-quebra vem o cola-cola.

Depois da tempestade vem a previsão do tempo.

Depois do remorso vem a homenagem póstuma.

Depois das eleições vem a depuração do pleito.

Depois da cura do câncer vem a morte.

Das grandes certezas

Quando fizeram uma associação qualquer contra o racismo, podem apostar: negro não entra.

Isto eu provo: tem gente que se aproveita de não poder dizer o que pensa para não pensar em nada.

No tempo em que se amarrava cachorro com linguiça, uma coisa era certa: pobre não andava latindo.

Onde come um, comem dois, mas não tenham dúvidas: um deles tem que recorrer à antropofagia.

A. B. Cético

Aviso → Aos eternos sonhadores: viver a vida que se pediu a Deus não deu certo nem com o filho dele.

Brado → A última palavra em matéria de heroísmo continua sendo socorro!

Crise → Não há nada de errado com a Civilização que um civilizado não possa piorar.

Diferença → A lista dos homens que fizeram o século XX não é nada comparada a dos que o estão desfazendo. 

Explicação → Não é só o dinheiro que corrompe; ele apenas tem maior preferência.

Felicidade → Bem aventurados os pobres de tudo: eles herdarão as sobras.

Gozação → No dia em que todo mundo puder usar de livre arbítrio, isto é garantido: vai ser de acordo com a lei.

Incapacidade → É possível tirar vantagem de tudo, menos de quem mais importa: de nós mesmos.

Hospitalar → Ninguém tem certeza, porém há boatos de que um dia a medicina venha a ser medicinal.

Jogo → A razão principal da existência de países subdesenvolvidos e países superdesenvolvidos são estes últimos.

Limites → Para quem achava que a violência já tinha ido longe demais: o Homem agora se prepara para ir a Marte.

Mania → De todas as doenças mentais, a mais dolorosa é, sem dúvida, a normalidade.

Novidade → Daqui algum tempo não haverá mais fracos e oprimidos. Será tudo uma coisa só.

Oração → O trabalho enobrece, realmente. Mas será que não há recompensa melhor?

Proporção → Alguns vigaristas têm uma reputação tão boa quanto a sua conta bancária.

Queixa → Finalmente as máquinas já fazem tudo o que o homem faz. E até pior.

Rústica → Medidas de segurança tem muitas. Algumas nos deixam com um palmo de língua pra fora.

Sucesso → Um povo pode considerar bom o seu governo. Para tanto, basta não ter outra alternativa.

Trote → Finalmente oportunidades iguais para todos: qualquer um pode usar sebo nas canelas.

Uso → Em matéria de torturas, os métodos arcaicos são o que há de mais moderno por aí.

Vitória → O povo já tem uma bandeira de luta: é um retângulo de pano branco na ponta de uma varinha.

Xangrilá → Da sociedade do lazer ninguém se queixa. E pior: levam tudo na brincadeira.

Zebra → Sobreviver – uma aventura emocionante, divertida e com final feliz. Pena que seja em 35mm.

 Bugigangas

• Estão fazendo muita coisa em nome da lei. Inclusive vítimas.

• Numa coisa os idiotas são insuperáveis: na quantidade.

• Quem somos e para onde vamos? Depende dos documentos e do guarda.

• Quando você discute com um imbecil, pode ter certeza de que são dois.

• Se o crime não compensa, por que é que só as vitimas se queixam.

• Não haverá bom senso sobre rodas enquanto não houver bom senso a pé.

• Devemos ter fé e esperança no dia de ontem.

• Há indivíduos que arriscam tudo por um momento de felicidade. Eu, se tivesse tudo, ficava bem quieto.

• Vida inteligente em outros planetas? Só até o Homem chegar lá.

• Com censura, dois dedos de prosa são dois dedos perdidos.

• É verdade que o enriquecimento ilícito dá cadeia, mas pelo menos o sujeito é tratado como rico.

• Há muitas teses sobre a liberdade. Mas não chegam nem aos pés das antíteses.

• Calma, pessoal: com um pouco de sorte tudo continua como está.

• Tem tanta gente trocando de sexo que daqui a pouco serei chamado de conservador.

• No peito e na raça se consegue duas coisas da maior importância: leite e pedigree.

• Democracia é a forma mais nostálgica de governo.

• Oferecer a outra face – esse é o mais ridículo dos contragolpes.

• Ah, bons tempos aqueles em que a proteção da polícia não doía tanto.

• Sexo antes do casamento? Sou contra. Igreja não é lugar pra isso.


(Fraga, no livro QI 14, Editora Garatuja, 1975)



José Guaraci Fraga

José Guaraci Fraga, Porto Alegre, 1946, é porto-alegrense, jornalista, humorista, cartunista, editor, publicitário. Colaborador de publicações brasileiras desde 1970, a começar pelo O Pasquim. Ex-colunista dos jornais Folha da Manhã (CJCJ) e Zero Hora. Autor do livro Punidos Venceremos. Organizador e co-autor das seguintes publicações coletivas: QI 14, Tubarão Parte II, Antologia Brasileira de Humor (em 2 volumes, 82 autores). Fabio Zimbres é paulista radicado no Rio Grande do Sul. Ilustrador, quadrinista, designer e editor, publicou quadrinhos e ilustração em diversos veículos e editoras no Brasil e no exterior. Presta serviço de design na área de cultura, produtoras de cinema, museus, fundações culturais. Tem livros com suas ilustrações e quadrinhos publicados na Espanha, Argentina e Brasil.



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