Das meias-palavras
Com meias-palavras pode-se dizer tudo. Pela metade.
Meia-palavra aqui, meia-palavra ali e já temos uma mentira
completa.
Quem usa de meias-palavras é de inteira desconfiança.
A única vantagem das meias-palavras: são as mais fáceis de
engolir.
Para meias-palavras, o dobro de cuidado.
Das deduções mais lógicas
Depois do quebra-quebra vem o cola-cola.
Depois da tempestade vem a previsão do tempo.
Depois do remorso vem a homenagem póstuma.
Depois das eleições vem a depuração do pleito.
Depois da cura do câncer vem a morte.
Das grandes certezas
Quando fizeram uma associação qualquer contra o racismo,
podem apostar: negro não entra.
Isto eu provo: tem gente que se
aproveita de não poder dizer o que pensa para não pensar em nada.
No tempo em que se amarrava
cachorro com linguiça, uma coisa era certa: pobre não andava latindo.
Onde come um, comem dois, mas não
tenham dúvidas: um deles tem que recorrer à antropofagia.
A. B. Cético
Aviso → Aos eternos sonhadores:
viver a vida que se pediu a Deus não deu certo nem com o filho dele.
Brado → A última palavra em
matéria de heroísmo continua sendo socorro!
Crise → Não há nada de errado com
a Civilização que um civilizado não possa piorar.
Diferença → A lista dos homens
que fizeram o século XX não é nada comparada a dos que o estão desfazendo.
Explicação → Não é só o dinheiro
que corrompe; ele apenas tem maior preferência.
Felicidade → Bem aventurados os
pobres de tudo: eles herdarão as sobras.
Gozação → No dia em que todo
mundo puder usar de livre arbítrio, isto é garantido: vai ser de acordo com a
lei.
Incapacidade → É possível tirar
vantagem de tudo, menos de quem mais importa: de nós mesmos.
Hospitalar → Ninguém tem certeza,
porém há boatos de que um dia a medicina venha a ser medicinal.
Jogo → A razão principal da
existência de países subdesenvolvidos e países superdesenvolvidos são estes
últimos.
Limites → Para quem achava que a
violência já tinha ido longe demais: o Homem agora se prepara para ir a Marte.
Mania → De todas as doenças
mentais, a mais dolorosa é, sem dúvida, a normalidade.
Novidade → Daqui algum tempo não
haverá mais fracos e oprimidos. Será tudo uma coisa só.
Oração → O trabalho enobrece,
realmente. Mas será que não há recompensa melhor?
Proporção → Alguns vigaristas têm
uma reputação tão boa quanto a sua conta bancária.
Queixa → Finalmente as máquinas
já fazem tudo o que o homem faz. E até pior.
Rústica → Medidas de segurança
tem muitas. Algumas nos deixam com um palmo de língua pra fora.
Sucesso → Um povo pode considerar
bom o seu governo. Para tanto, basta não ter outra alternativa.
Trote → Finalmente oportunidades
iguais para todos: qualquer um pode usar sebo nas canelas.
Uso → Em matéria de torturas, os
métodos arcaicos são o que há de mais moderno por aí.
Vitória → O povo já tem uma
bandeira de luta: é um retângulo de pano branco na ponta de uma varinha.
Xangrilá → Da sociedade do lazer
ninguém se queixa. E pior: levam tudo na brincadeira.
Zebra → Sobreviver – uma aventura
emocionante, divertida e com final feliz. Pena que seja em 35mm.
• Estão fazendo muita coisa em nome da lei. Inclusive
vítimas.
• Numa coisa os idiotas são insuperáveis: na quantidade.
• Quem somos e para onde vamos? Depende dos documentos e do
guarda.
• Quando você discute com um imbecil, pode ter certeza de
que são dois.
• Se o crime não compensa, por que é que só as vitimas se
queixam.
• Não haverá bom senso sobre rodas enquanto não houver bom
senso a pé.
• Devemos ter fé e esperança no dia de ontem.
• Há indivíduos que arriscam tudo
por um momento de felicidade. Eu, se tivesse tudo, ficava bem quieto.
• Vida inteligente em outros
planetas? Só até o Homem chegar lá.
• Com censura, dois dedos de
prosa são dois dedos perdidos.
• É verdade que o enriquecimento
ilícito dá cadeia, mas pelo menos o sujeito é tratado como rico.
• Há muitas teses sobre a
liberdade. Mas não chegam nem aos pés das antíteses.
• Calma, pessoal: com um pouco de
sorte tudo continua como está.
• Tem tanta gente trocando de
sexo que daqui a pouco serei chamado de conservador.
• No peito e na raça se consegue
duas coisas da maior importância: leite e pedigree.
• Democracia é a forma mais
nostálgica de governo.
• Oferecer a outra face – esse é
o mais ridículo dos contragolpes.
• Ah, bons tempos aqueles em que
a proteção da polícia não doía tanto.
• Sexo antes do casamento? Sou
contra. Igreja não é lugar pra isso.
(Fraga, no livro QI
14, Editora Garatuja, 1975)
José Guaraci Fraga
José Guaraci Fraga, Porto Alegre,
1946, é porto-alegrense, jornalista, humorista, cartunista, editor,
publicitário. Colaborador de publicações brasileiras desde 1970, a começar pelo O
Pasquim. Ex-colunista dos jornais Folha da Manhã (CJCJ) e Zero Hora. Autor do
livro Punidos Venceremos. Organizador e co-autor das seguintes publicações
coletivas: QI 14, Tubarão Parte II, Antologia Brasileira de Humor (em 2
volumes, 82 autores). Fabio Zimbres é paulista radicado no Rio Grande do Sul.
Ilustrador, quadrinista, designer e editor, publicou quadrinhos e ilustração em
diversos veículos e editoras no Brasil e no exterior. Presta serviço de design
na área de cultura, produtoras de cinema, museus, fundações culturais. Tem
livros com suas ilustrações e quadrinhos publicados na Espanha, Argentina e
Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário