Gilberto Gil, 1969
Gil por Kenny Anderson/RS
A situação não poderia ser pior nem mais triste. Preso após o
AI-5, em dezembro de 1968, Gilberto Gil achava que ficaria ali a vida inteira
ou sumiriam com ele. Dois meses depois, quando foi libertado e recebeu a ordem
para sair do Brasil, encontrou a inspiração para compor um dos mais alegres e
empolgantes sambas de nossa história musical, que se transformou em um sucesso
instantâneo.
Lançada em agosto de 1969 num single, “Aquele abraço” foi uma das
músicas mais tocadas nas rádios brasileiras e um dos discos mais vendidos do
ano, num sucesso de dimensões até então inéditas na carreira de Gil, que
acompanhou tudo à distância, em Londres, num exílio que se estendeu por três
anos.
Em entrevista ao compositor Carlos
Rennó para o livro Todas as letras,
Gil relembrou como nasceu “Aquele abraço”. Em meados de 1969, depois da prisão em São Paulo e dois meses
trancado com Caetano Veloso num quartel do exército no subúrbio carioca de
Deodoro, e ainda um período de liberdade vigiada em Salvador, Gil veio ao Rio
tratar com os militares a sua saída do Brasil. Na casa da mãe de Gal Costa,
dona Mariah, e depois no voo de volta à Bahia, criou sua ode à Cidade Maravilhosa
e sua canção de despedida. “Finalmente eu poderia sair do país e tinha que
dizer bye-bye; sumarizar o episódio
todo que estava vivendo numa catarse. Que outra coisa para um compositor fazer
uma catarse senão numa canção?”
No seu samba, Gil exaltou o Rio de
Janeiro e alguns de seus grandes símbolos pop, sem conotações políticas ou
qualquer referência à prisão. No lugar do bairro de Deodoro, onde ficou preso,
preferiu botar outro subúrbio da Central, Realengo, rimando com torcida do
Flamengo, embora fosse torcedor do Fluminense, abraçando a Portela mesmo sendo
mangueirense, saudando a Banda de Ipanema, a moça da favela, o “Velho
Guerreiro”, o palhaço Chacrinha, que balançava a pança, buzinava a moça e
comandava a massa. Por meio da beleza e da alegria do Rio de Janeiro, Gil mandava
um abraço de despedida a “todo o povo brasileiro”, que seria fartamente
retribuído ao longo dos anos até hoje.
(Do livro “101
canções que tocaram o Brasil”,
de Nelson Motta)
O Rio de
Janeiro continua lindo,
O Rio de
Janeiro continua sendo,
O Rio de Janeiro,
fevereiro e março.
Alô, alô,
Realengo
Aquele
abraço!
Alô torcida
do Flamengo
Aquele abraço!
Chacrinha
continua
Balançando a
pança
E buzinando a
moça
E comandando
a massa
E continua
dando
As ordens no
terreiro.
Alô, alô, seu
Chacrinha,
Velho guerreiro,
Alô, alô,
Terezinha,
Rio de
Janeiro!
Alô, alô, seu
Chacrinha,
Velho palhaço.
Alô, alô,
Terezinha.
Aquele
abraço!
Alô, moça da
favela
Aquele
abraço!
Todo mundo da
Portela
Aquele
abraço!
Todo mês de
fevereiro
Aquele passo!
Alô Banda de
Ipanema
Aquele
abraço!
Meu caminho
pelo mundo
Eu mesmo
traço.
A Bahia já me
deu
Régua e
compasso,
Quem sabe de
mim sou eu,
Aquele
abraço!
Pra você que
me esqueceu,
Aquele
abraço!
Alô Rio de
Janeiro,
Aquele
abraço!
Todo o povo
brasileiro,
Aquele
abraço!
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