segunda-feira, 17 de julho de 2017

Democracia Matemática

Método de Borda propõe “democracia matemática

José Luiz Pastore Mello
Especial para a Folha


→ Não há princípio mais democrático numa eleição do que cada eleitor depositar seu voto a favor de um candidato e vencer o que obtiver a maioria dos votos, certo? Em 1870, o matemático francês Jean-Charles Borda mostrou que o princípio “um eleitor, um voto”, empregado na maioria das eleições, pode ser responsável por distorções eleitorais. Vejamos um exemplo para compreender melhor a situação.

→ Imaginemos que para um determinado cargo concorram três candidatos (A, B e C) e que o eleitorado seja composto por 12 pessoas. Depois de apurados os votos, A é eleito com 5 votos, B fica em segundo com 4 e C em terceiro com 3. Pelo princípio “um eleitor um voto”, A assume o cargo com 42% do total de votos. O que pode ser surpreendente nesse sistema é que, dependendo da distribuição de preferências do eleitorado entre os três candidatos, a retirada de uma candidatura qualquer às vésperas da eleição poderá implicar um resultado final diferente do que a vitória do candidato A.

→ Admita que os cinco eleitores que votaram em A preferem A a B e B a C. Os quatro eleitores que votaram em B preferem B a C e C a A. E que os três eleitores que votaram em C preferem C a B e B a A. Sendo assim, se B retirar sua candidatura antes da eleição, C será eleito com 7 votos contra 5 votos de A. Por outro lado, se C retirar sua candidatura, B será eleito com 7 votos e A ficará em segundo com 5. Em ambos os casos, o candidato A seria derrotado, apesar de ter sido o candidato eleito no sistema “um eleitor um voto”. Com a retirada de candidatura de A, C venceria B por 8 a 4.

→ Por ironia do destino, o candidato C, que obteve último lugar no sistema “um eleitor, um voto”, seria o primeiro colocado em qualquer eleição que disputasse contra apenas A ou B. Tal distorção ocorre porque o sistema eleitoral assim constituído não leva em consideração a distribuição de preferências dos eleitores entre os três candidatos. Para corrigir tal distorção, o matemático francês propôs o que se chama hoje “contagem de Borda”, na qual o eleitor atribui 2 pontos ao seu candidato preferido, 1 para sua segunda preferência e 0 para a terceira. Pelo método de Borda na situação descrita, C seria eleito com 15 pontos, ficando B em segundo com 11 e A em terceiro com 10. Fez-se justiça!

→ Fica a dica aos políticos: que tal introduzir na discussão eleitoral a “democracia matemática” anunciada pelo sistema de Borda?

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José Luiz Pastore Mello é professor de matemática formado pelo Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME-USP), mestre em ensino de matemática pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP) e bacharel em ciências econômicas pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP).

A matemática na Guerra do Vietnã

José Luiz Pastore Mello*
na Folha de S.Paulo
  
→ Durante a Guerra do Vietnã, as autoridades norte-americanas suspeitavam de que boa parte dos seus soldados fossem usuários de drogas ilícitas.

→ A dificuldade para a confirmação da suspeita residia no fato de que qualquer pesquisa direta sobre o assunto certamente teria alto índice de respostas mentirosas, dado o temor dos combatentes de uma punição.

→ Não é de hoje que os matemáticos sabem lidar com esse tipo de problema. Aprenderam a fazê-lo criando métodos indiretos para detectar respostas diferentes da real intenção do entrevistado. Vejamos como o problema foi resolvido na ocasião.

→ Cada soldado deveria retirar aleatoriamente um cartão e responder SIM ou NÃO à pergunta nele contida. Ciente do conteúdo dos cartões, cada soldado não teria por que mentir, uma vez que uma resposta SIM não necessariamente o incriminaria; ele poderia apenas estar respondendo à pergunta do cartão 2.

→ O que os soldados talvez não soubessem é que o truque usado também permitia às autoridades estimar o número de usuários de drogas. Imagine, por exemplo, que a pesquisa tenha sido feita com 1.200 soldados.

→ É razoável admitir que, em média, 400 soldados tenham pego o cartão 1, 400 o 2 e 400 o 3. Se, ao final da pesquisa, tivermos um total de 560 respostas SIM, saberemos que cerca de 400 dessas respostas dizem respeito aos soldados que pegaram o cartão 2 e que 160 são de soldados que se declararam usuários de drogas.

→ Temos então 160 respostas afirmativas em um total médio de 400 soldados que responderam à pergunta 1, ou seja, 40% dos soldados são usuários de drogas. Moral da história: com a matemática, mentira tem perna curta!

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*José Luiz Pastore Mello é licenciado em matemática e mestrando em educação pela USP. E-mail: jlpmello@uol.com.br


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