Mário Quintana por Santiago
Textos do livro de poemas “Sapato Florido”, de Mário
Quintana
O Susto
Isto foi há
muito tempo, na infância provinciana do autor, quando havia serões em família.
Juquinha
estava lendo, em voz alta, A Confederação
dos Tamoios.
Tarararararará,
tarararararará,
Tarararararará, tarararararará,
Lá pelas
tanta, Gabriela deu o estrilo:
- Mas
não tem rima!
Sensação.
Ninguém parava de não acreditar. Juquinha, desamparado, lê às pressas os finais
dos últimos versos... quérulo... branco... tuba... inane... vaga... infinitamente...
Meu Deus!
Como poderia ser aquilo?!
- A
rima deve estar no meio, - diz, sentencioso, o major Pitaluga.
E todos
suspiraram, agradecidos,
Filó
O negrinho Filó era um artista no
pente. Naquele velho pente envolto em papel de seda, tirava tudo, de ouvido,
desde a Canção do Soldado até La donna è móbile. A gente ficava
escutando, com orgulho e inveja. Pois nenhum de nós conseguia tocar pente.
Dava-nos cócegas e, como dizia a Gabriela, “a gente se agachava a sirri que não
parava mais”. Quando ele morreu, foi logo declarando a sua qualidade para São
Pedro: “Musgo!” E São Pedro lhe deu uma gaitinha de boca. Uma linda gaitinha de
boca. E até hoje ele vive explicando que não há nada como o pente... Mas o Céu
é tão perfeito que na sua Filarmônica não existem instrumentos de emergência:
uma pente lá, é um pente mesmo.
Dos Velhos Hábitos
Metia-nos um medo! Era um retrato
avoengo, um velho juiz dos velhos tempos, sobrecenho feroz, barba de
passa-piolho. De nada ria... Creio que já nascera juiz. Mas piscava o olho
quando a criadinha punha-se a esfregar vagarosamente o assoalho, a criadinha de
saia arregaçadas e joelhos roliços e juntinhos... e que aliás nunca bispou
coíssima nenhuma.
Viver
Vovô ganhou mais um dia. Sentado na
copa, de pijama e chinelos, enrola o primeiro cigarro e espera o gostoso café
com leite.
Lili,
matinal como um passarinho, também espera o café com leite.
Tal e qual
vovô.
Pois só as crianças e os velhos
conhecem a volúpia de viver dia a dia, hora a hora, e suas esperas e desejos
nunca se estendem além de cinco minutos...
Fatalidade
Em todos os velórios há sempre uma
senhora gorda que, em determinado momento, suspira e diz:
-
Coitado! Descansou...
Exegese
- Mas
que quer dizer esse poema? - perguntou-me alarmada a boa senhora.
- E
que quer dizer uma nuvem? - retruquei triunfante.
- Uma nuvem? - diz ela. - Uma nuvem umas vezes quer dizer chuva, outras vezes bom
tempo...
Texto do livro de poemas “Espelho Mágico”, de Mário
Quintana
Do Estilo
Fere de leve a
frase... E esquece... Nada
Convém que se
repita...
Só em linguagem
amorosa agrada
A mesma coisa cem mil
vezes dita.
Das Belas Frases
Frases felizes...
Frase encantadas...
Ó festa dos ouvidos!
Sempre há tolices
muito bem ornadas...
Como há pacóvios bem
vestidos.
Do Mal e do Bem
Todos têm seu
encanto: os santos e os corruptos.
Não há coisa, na
vida, inteiramente má.
Tu dizes que a
verdade produz frutos...
Já viste as flores
que mentira dá?
Da Indulgência
Não perturbes a paz
da tua vida,
Acolhe a todos
igualmente bem.
A indulgência é a
maneira mais polida
De desprezar alguém.
Das Ilusões
Meu saco de ilusões,
bem cheio tive-o.
Com ele ia subindo a
ladeira da vida.
E, no entretanto,
após cada ilusão perdida...
Que extraordinária
sensação de alívio!
Da Mediocridade
Nossa alma incapaz e
pequenina,
Mais complacência que
irrisão merece.
Se ninguém é tão bom
quanto imagina,
Também não é tão mau
como parece.
Do Pranto
Não tentes consolar o
desgraçado
Que chora amargamente
a sorte má.
Se o tirares por fim
do seu estado,
Que outra consolação
lhe restará?
Da Felicidade
Quantas vezes a gente,
em busca da ventura,
Procede tal e qual o
avozinho infeliz:
Em vão, por toda
parte, os óculos procura,
Tendo-os na ponta do
nariz.
Da Discrição
Não te abras com teu
amigo
Que ele um outro
amigo tem.
E o amigo do teu
amigo
Possui amigos
também...
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