Clarabela era o nome dela,
mas os vizinhos a chamavam de Claratrouxa. Mulherzinha muito simpática, puxando
assim para bonita, mas toda pequenininha, frágil e delicadinha. Casou com uma
besta de sujeito. Os gremistas são ótimos, mas aquele era uma besta. A começar
pelo nome: Oldemar. Era um grandalhão com um jeito permanente de quem não
gostava nem de água nem de sabonete. Ninguém sabe o que ela viu nele, embora
todo mundo soubesse o que ele viu nela. O que ele viu, todo mundo via. O
salafra saía todos os domingos para ir ao futebol e só voltava na segunda. E
voltava com muita delicadeza. Punha o pé na porta e perguntava:
- O
que foi? não vai estrilar?
Não, ela não estrilava. Mas
talvez por isso mesmo o Oldemar ficava zangado e lhe dava dois tabefes. Não
eram bofetadas de entortar a cara. Eram tabefes.
- Para
aprender a não pensar mal de mim.
A Clarabela ficava ali
parada, chorando choro de uma lágrima só, mas não dizia nada. No resto da
semana ele passeava descaradamente com a flor da vagabundagem. Cada uma mais
torta que a outra, enquanto aquela lindeza ficava esperando em casa a sua ração
diária de tabefes. Três anos durou isso, só para mostra como mulher tem
paciência. Num domingo de grenal, a Clarabela deixou o Oldemar de pão na boca
aberta, dizendo:
-
Quero ir ao jogo com você.
O primeiro impulso do
salafra foi discordar, mas depois ele pensou em todos os vexames que ela
poderia passar no meio da torcida e só de sem-vergonha concordou:
- Tá
bem, filha, você vai. Isso é bom para aprender.
E lá se foram. Ela ao lado
dele. Ele com um radinho na mão e ela com uma almofada que tinha feito em casa. Qualquer
outro marido teria ido de cadeira, mas ele resolveu ir de geral. E ainda
comprou a entrada olhando e rindo para a Clarabela.
Só
que na hora de entrar nos portões, ele parou de rir porque ela disse:
- Vamos para o outro lado.
- Tá
doida, filha? Lá é a torcida colorada.
- O
que é que tem?
- Não
seja burra. Gremista não senta lá.
Ela olhou para ele com um arzinho muito doce e perguntou:
- Por
medo ou por quê?
Danado como as mulheres
conseguem empurrar o homem para o desatino. Ao som de medo, ele ergueu o
queixo:
- Tá
bom, você pediu. Vamos lá.
Mas quando sentou no meio
daquela massa toda, logo se arrependeu.
- Você
vai se incomodar, filha.
- Não
se incomode comigo.
Ele olhou para frente, olhou para trás, olhou para os lados e
recomendou:
- Vai
com calma, tá me ouvindo? Vê o jogo de boca fechada.
Ela só manteve a boca fechada por quinze minutos. Aí, sem mais essa, se
pôs de pé e berrou:
- Aí,
Grêmio, acaba com essa negrada!
Foi um golpe tão baixo que
o Oldemar nem reagiu. Ficou de boca aberta, balançando a cabeça como quisesse
limpar os ouvidos.
- Essa
negrada não é de nada! - berrou ela.
Aí acordou a geral toda. Veio
gente lá de cima como pedra numa avalanche. O Oldemar apavorado tenta puxar a
mulher:
- Tá doida, filha, senta, senta!
Mas que nada, ela enfrentava a massa toda com um dedo apontando para o
marido:
- Tenho marido, macacada!
E
num tapa, abriu a almofada, tirou lá de dentro uma bandeira do Grêmio e jogou
em cima dele.
- Tá
doida! – berrou o Oldemar.
E também foi só o que
disse, porque aí já recebeu uma bofetada no ouvido esquerdo outro no direito e
veio vinde lá de cima, meio de pé, meio sentado, meio deitado, com todo mundo
batendo e sovando e quando chegou lá embaixo, até mordida na orelha tinha. E lá
de cima, aquela coisinha muito simpática ria e batia palmas. Também foi a
última vez que ele pôs os olhos nela, embora virasse a cidade durante seis
meses de revólver na mão querendo acabar com a coitada.
Essa Clarabela!
(Da Coleção
“Histórias de Futebol”, de Sérgio Jockymann)
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