quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Clarabela



Clarabela era o nome dela, mas os vizinhos a chamavam de Claratrouxa. Mulherzinha muito simpática, puxando assim para bonita, mas toda pequenininha, frágil e delicadinha. Casou com uma besta de sujeito. Os gremistas são ótimos, mas aquele era uma besta. A começar pelo nome: Oldemar. Era um grandalhão com um jeito permanente de quem não gostava nem de água nem de sabonete. Ninguém sabe o que ela viu nele, embora todo mundo soubesse o que ele viu nela. O que ele viu, todo mundo via. O salafra saía todos os domingos para ir ao futebol e só voltava na segunda. E voltava com muita delicadeza. Punha o pé na porta e perguntava:

- O que foi? não vai estrilar?

Não, ela não estrilava. Mas talvez por isso mesmo o Oldemar ficava zangado e lhe dava dois tabefes. Não eram bofetadas de entortar a cara. Eram tabefes.

- Para aprender a não pensar mal de mim.

A Clarabela ficava ali parada, chorando choro de uma lágrima só, mas não dizia nada. No resto da semana ele passeava descaradamente com a flor da vagabundagem. Cada uma mais torta que a outra, enquanto aquela lindeza ficava esperando em casa a sua ração diária de tabefes. Três anos durou isso, só para mostra como mulher tem paciência. Num domingo de grenal, a Clarabela deixou o Oldemar de pão na boca aberta, dizendo:

- Quero ir ao jogo com você.

O primeiro impulso do salafra foi discordar, mas depois ele pensou em todos os vexames que ela poderia passar no meio da torcida e só de sem-vergonha concordou:

- Tá bem, filha, você vai. Isso é bom para aprender.

E lá se foram. Ela ao lado dele. Ele com um radinho na mão e ela com uma almofada que tinha feito em casa. Qualquer outro marido teria ido de cadeira, mas ele resolveu ir de geral. E ainda comprou a entrada olhando e rindo para a Clarabela.

Só que na hora de entrar nos portões, ele parou de rir porque ela disse:

- Vamos para o outro lado.

- Tá doida, filha? Lá é a torcida colorada.

- O que é que tem?

- Não seja burra. Gremista não senta lá.

Ela olhou para ele com um arzinho muito doce e perguntou:

- Por medo ou por quê?

Danado como as mulheres conseguem empurrar o homem para o desatino. Ao som de medo, ele ergueu o queixo:

- Tá bom, você pediu. Vamos lá.

Mas quando sentou no meio daquela massa toda, logo se arrependeu.

- Você vai se incomodar, filha.

- Não se incomode comigo.

Ele olhou para frente, olhou para trás, olhou para os lados e recomendou:

- Vai com calma, tá me ouvindo? Vê o jogo de boca fechada.

Ela só manteve a boca fechada por quinze minutos. Aí, sem mais essa, se pôs de pé e berrou:

- Aí, Grêmio, acaba com essa negrada!

Foi um golpe tão baixo que o Oldemar nem reagiu. Ficou de boca aberta, balançando a cabeça como quisesse limpar os ouvidos.

- Essa negrada não é de nada! - berrou ela.

Aí acordou a geral toda. Veio gente lá de cima como pedra numa avalanche. O Oldemar apavorado tenta puxar a mulher:

- Tá doida, filha, senta, senta!

Mas que nada, ela enfrentava a massa toda com um dedo apontando para o marido:

- Tenho marido, macacada!

E num tapa, abriu a almofada, tirou lá de dentro uma bandeira do Grêmio e jogou em cima dele.

- Tá doida! – berrou o Oldemar.

E também foi só o que disse, porque aí já recebeu uma bofetada no ouvido esquerdo outro no direito e veio vinde lá de cima, meio de pé, meio sentado, meio deitado, com todo mundo batendo e sovando e quando chegou lá embaixo, até mordida na orelha tinha. E lá de cima, aquela coisinha muito simpática ria e batia palmas. Também foi a última vez que ele pôs os olhos nela, embora virasse a cidade durante seis meses de revólver na mão querendo acabar com a coitada.

Essa Clarabela!

*****

(Da Coleção “Histórias de Futebol”, de Sérgio Jockymann)


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