Reza a lenda que Uoxinton já chutava
bastante dentro da barriga da mãe, mas chutava com estilo - nada
de força. A mesma lenda também conta que quando ele nasceu sua mãe disse “que
lindo!”, o pai disse “meu filho!” e o médico ficou calado. Mas, a verdade é que
a mãe pensou “que fofo”, o pai pensou “pelo menos é macho” e médico riu – só
que ninguém pôde ver por causa daquela máscara - e pensou que já havia
visto piores.
Ela diz que a primeira palavra que
ele falou foi gol, que no dia do seu segundo aniversário ganhou a primeira
bola, que quando tinha dois anos e um dia já conseguia fazer embaixadinhas e no
dia seguinte marcou o seu primeiro gol. Aos sete anos, já conseguia dar todos
os dribles que passavam na TV, aos oito começou a inventar os seus próprios e
quando ele tinha nove anos três meses e vinte e cinco dias aconteceu o
inevitável… Ele deixou de falar na primeira pessoa do singular.
Foi meio confuso no começo, a mãe
chegou a pensar que ele tinha algum tipo de amigo imaginário por um tempo, o
pai até o pastor chamou, mas foi um tio quem matou a charada. Enquanto ele
ouvia a reportagem de um jogador que se dirigia ao vestiário, ele só conseguia
ouvir o sobrinho falando. No dia seguinte, ele foi falar qualquer besteira com
o garoto pra comprovar a sua teoria.
- E
aí, Uoxinton? Como vai na escola?
- Bem, tio… Não é fácil,
mas a gente vem trabalhando duro e se Deus quiser vamos sair com o resultado.
Não havia dúvidas: ou moleque tinha
enlouquecido e pensava ser um jogador de futebol ou tinha sido possuído pelo
espírito de algum jogador morto. O tio contou à mãe, a mãe contou ao pai, o pai
tentou resolver na base do cinturão. Não deu certo, ele ficava choramingando ‘a
gente não fez nada’. Ninguém sabia ao certo o que fazer, mas um vizinho teve
uma ideia que mudou a vida do nosso herói, levá-lo ao Seu Bill, o treinador do
glorioso Bode. Se o problema do garoto tinha algo remotamente relacionado à
bola, Bill saberia como dar um jeito. Chegando lá, o coroa olhou pro garoto,
falou umas besteiras que ninguém entendeu e o garoto respondeu outras besteiras
que o pessoal igualmente não entendeu. Então Bill, muito calmamente, se dirigiu
ao pai e disse saber do que o garoto estava sofrendo, mas que precisava fazer
um simples teste para confirmar o diagnóstico. Mas antes, seu Bill fez os pais
de Uoxinton prometerem que se a suspeita se confirmasse, ele seria o
responsável pela cura do garoto. Os pais não entenderam bem, mas prontamente
concordaram.
Bill pegou uma bola velha, fez umas
mungangas com ela e tocou pro garoto, o pirralho matou no peito, deu de coxa,
parou na testa, passou pro nariz, voltou pra testa, rolou pra nuca, voltou pro
peito e deu de volta pra Bill. Bill sorriu e disse pro pai que o diagnóstico
fora confirmado: craque de nascença. E o detalhe da fala seria consertado com
algumas tardes de treino no campinho de barro do Bode. Naquele dia Uoxinton
ganhou seu primeiro par de chuteiras.
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Israel Duarte in: Contos: Humor negro de um crioulo
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