sexta-feira, 1 de junho de 2018

O dia em que os marcianos “invadiram” a Terra



Há 80 anos, uma “pegadinha” de Orson Welles (caricatura abaixo) transmitida por uma emissora de rádio, fazia a América tremer de medo. O Halloween − a “Noite das Bruxas” − chegou um dia antes, em 1938, e de forma inesperada para os americanos, acostumados às inevitáveis brincadeiras do 31 de outubro. Na noite do dia 30, muitos dos seis milhões de ouvintes da rede CBS e suas filiadas levaram a sério o que ouviam pelas ondas do rádio: os marcianos estavam invadindo os Estados Unidos! De acordo com os relatos da época, quem estava na zona rural correu desesperadamente para a cidade, e cruzou com quem estava na cidade e procurava refúgio no campo. Os telefones das delegacias de polícia não paravam de tocar e os gritos de socorro ecoavam pelas ruas. Foi o caso mais célebre de histeria coletiva da História, segundo um estudo publicado pelo professor Hadley Cantril, da Universidade de Princeton. Os gritos, choros e preces desesperadas deram lugar aos risos e, em boa parte dos casos, às imprecações, quando se soube o que realmente estava acontecendo: tratava-se de uma adaptação radiofônica do livro "A Guerra dos Mundos", de H. G. Wells, feita por Orson Welles para o programa “Mercury Theatre On The Air”, que havia estreado no dia 11 de setembro do mesmo ano e ia ao ar das 20 às 21 horas. Em sua tese, o professor Cantril atribuiu a reação popular a três causas: insegurança pessoal, insegurança econômica e insegurança política.


Naqueles tempos, a voz de Hitler já ecoava assustadoramente pela Europa e o rádio era o mais poderoso veículo de comunicação. Roosevelt fazia previsões otimistas em seus discursos, garantindo que o perigo da depressão econômica estava afastado. O ventríloquo Edgard Bergen, pai da atriz Candice Bergen, fazia sucesso com as piadas contadas através de seu boneco Charlie McCarthy e os ouvintes se deliciavam com os clássicos de Toscanini e dançavam ao som de Benny Goodman. No Brasil, Dorival Caymmi lançava seu sucesso “O Que é Que a Baiana Tem?” − que também invadiria os Estados Unidos mais tarde, na voz da “alienígena” Carmem Miranda.

A “INVASÃO”

No começo da transmissão, Welles se apresentara como um certo professor Pierson, “famoso astrônomo do Observatório de Princeton”, e declarara pelo rádio, na forma de entrevista, que estava ocorrendo uma série de fenômenos na crosta do planeta Marte. Na verdade, a “entrevista” era tirada do livro “A Guerra dos Mundos”, escrito em 1898 por H. G. Wells, mas o tom de seriedade fez com que muitos ouvintes achassem que tudo era verdade. Na sequência da transmissão, a emissora informou que um disco voador havia aterrissado numa pequena fazenda em Grovers Mill, Estado de Nova Jersey − perto de Nova York. Logo depois, informava em tom sensacionalista que outros discos teriam pousado em várias partes do país. A transmissão teve direito até ao pronunciamento de um hipotético secretário do Interior, “diretamente de Washington”, admitindo a gravidade da situação e pedindo calma aos moradores. Especialistas no estudo do comportamento humano comentaram em entrevistas aos jornais da época que “os ouvintes estão sempre prontos a acreditar no que uma autoridade oficial diz” e, por isso mesmo, o pânico foi generalizado. Para complicar ainda mais a situação, naquele momento os americanos temiam uma “invasão” de alemães ou chineses.

Depois do episódio, Welles tornou-se uma celebridade mundial e foi contratado por Hollywood para escrever, produzir, dirigir e atuar em filmes nos estúdios da RKO. Os artistas que participaram da famosa adaptação radiofônica foram chamados para integrar o elenco do antológico “Cidadão Kane”, considerado um dos mais importantes filmes de todos os tempos. Entre as inúmeras histórias sobre o trauma causado pela transmissão está a de vários cidadãos que tiveram de ser resgatados seis semanas depois por voluntários da Cruz Vermelha nas montanhas de Dakota, pois eles se recusavam a acreditar que tudo não passara de ficção. E uma ingênua operária mandou a seguinte carta a Orson Welles: “Quando aquelas coisas aconteceram, eu achei que o melhor a fazer era dar no pé. Então, peguei os 3,25 dólares que havia economizado e comprei uma passagem. Após ter viajado 16 milhas, ouvi dizer que era tudo uma peça. Agora estou sem o dinheiro e sem os sapatos que ia comprar com ele. O senhor poderia, por favor, mandar alguém me entregar um par de sapatos pretos, tamanho 9 B?”

SESSENTA MINUTOS DE MEDO

Eram oito horas da noite em Nova York quando o locutor anunciou, naquele 30 de outubro de 1938: “A Columbia Broadcasting System e as emissoras filiadas apresentam Orson Welles e o Mercury Theatre On The Air, em A Guerra dos Mundos, de H. G. Wells”. Ao fundo, o trecho de um concerto musical de Tchaikovsky. Volta o locutor: “Senhoras e senhores: o diretor do Mercury Theatre e o astro deste programa, Orson Welles!” Welles toma a palavra: “Sabemos que desde os primeiros anos do século XX nosso mundo vem sendo observado meticulosamente por inteligências superiores às do homem, mas tão mortais quanto as dele. Sabemos que, enquanto os seres humanos ocupavam-se dos seus vários problemas, eram estudados tão minuciosamente quanto um homem que, munido de um microscópio, observasse as criaturas minúsculas que pululam e se multiplicam numa gota d'água . Com infinita complacência, o povo andou de um lado para outro sobre a terra, cuidando de seus afazeres, sereno na segurança do domínio que exerce sobre esse pequeno fragmento solar rodopiante que, por sorte ou desígnio, o homem herdou do negro mistério do tempo e do espaço. Entretanto, através do imenso e etéreo abismo, mentes que estão para as nossas, como estas estão para as dos animais selvagens, intelectos vastos mas frios e sem compaixão, contemplavam esta Terra com olhos cobiçosos, e fizeram seus planos contra nós”.

O programa é interrompido por um locutor anunciando uma transmissão diretamente do Meridian Room do hotel Park Plaza, de Nova York, onde Ramon Raquello e sua orquestra tocavam “La Cumparsita”. Minutos depois, outra interrupção, agora para a informação de que teriam ocorrido misteriosas explosões de gás incandescente no Planeta Marte. O “professor Pierson” começa, então, a dar sua “entrevista” sobre o estranho fenômeno até que o locutor faz novas interrupções para noticiar o aparecimento de discos voadores em diversas partes do país. “Senhoras e senhores” dizia o locutor, num dos comunicados “tenho uma grave declaração a fazer. Por incrível que pareça, tanto as observações da ciência quanto a evidência diante de nossos olhos levam-nos à indiscutível conclusão de que esses estranhos seres que desceram esta noite sobre as fazendas de Nova Jersey são a vanguarda de um exército de invasores vindos do planeta Marte. A batalha em Grovers Mill resultou em uma das mais retumbantes derrotas sofridas por um exército nos tempos modernos. Sete mil homens armados com rifles e metralhadoras enfrentaram uma única máquina invasora de Marte. Apenas 120 sobreviveram. Os outros jazem na área da batalha.”

“NÃO DEVO OCULTAR A GRAVIDADE DA SITUAÇÃO...”

A descrição continua com detalhes assustadores e a situação fica ainda mais tensa com o pronunciamento do “secretário do Interior”, diretamente de Washington:

“Cidadãos do meu país: não devo ocultar a gravidade da situação que nosso país atravessa, nem a preocupação do seu governo em proteger a vida e as propriedades do seu povo...”

Seguem-se relatos de novas batalhas, até o intervalo, quando o locutor informa:

“Estão ouvindo uma apresentação da CBS do Mercury Theatre de Orson Welles, numa dramatização de A Guerra dos Mundos, de H. G. Wells. O programa continuará após um breve intervalo. Aqui fala a Columbia Broadcasting System.."

A esta altura, porém, muitos ouvintes, já em pânico, nem ouviram a informação. A notícia já estava se espalhando. Na segunda parte do programa, o tal “professor Pierson” descreve o clima assustador. “Alcancei a rua 14 e lá estava novamente o pó preto, vários cadáveres e um cheiro diabólico, pavoroso, exalando dos gradis dos porões de algumas das casas...” A descrição continua até dar um salto de alguns anos mais tarde, agora com a vida de volta ao normal, as crianças brincando nas ruas, o povo tranquilo. E Welles termina o programa:

“Aqui fala Orson Welles desligado do seu personagem para assegurar-lhes que 'A Guerra dos Mundos' não teve outro objetivo além de oferecer-lhes um bom divertimento para o domingo. Sua versão radiofônica vestiu um lençol branco e saiu de trás de uma moita fazendo um 'buuuu'. Aniquilamos o mundo diante de seus ouvidos e destruímos completamente a CBS. Espero que estejam aliviados por saberem que não tencionávamos isso e que ambas as instituições estão funcionando normalmente. De modo que, adeus a todos e lembrem-se, por favor, pelo dia de amanhã e pelo seguinte, da terrível lição que receberam esta noite. Este sorridente e globular invasor da sua sala de estar é um habitante do país das abóboras. Se baterem à sua porta e não houver ninguém lá, não é nenhum marciano... É Halloween!”

Por Ademir Fernandes, da Agência Estado

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