(Fragmento de um texto de Moacyr Scliar)
Machado de Assis tinha um amigo, o poeta Faustino Xavier de Novais, que,
a certa altura, começou a apresentar sinais de perturbação mental. De Portugal
veio então a irmã de Faustino, Carolina Augusta Xavier de Novais, para
supostamente cuida do irmão. Supostamente porque, segundo uma versão, ela teria
sido mandada embora pela família depois de um caso amoroso, em que fora
seduzida e abandonada. Carolina ficou amiga de Machado, que era quatro anos
mais moço do que ela. Conta-se que, numa visita, Machado, a sós com a moça,
pegou a mão dela e perguntou-lhe se aceitava-o como esposo. A resposta
afirmativa veio firme e decidida, mas não contou com o apoio da família, que
não queria ver Carolina casada com um mulato epilético.
Carolina desempenhou um papel importante na vida de Machado, inclusive
do ponto de vista literário. Culta, versada em gramática, ela lia os texto
dele, corrigia-os, passava-os a limpo. Mais importante: até então Machado tinha
sido um escritor romântico, que escrevia bem, mas que não produzira obras
marcantes. Por insistência de Carolina, ele muda de estilo, torna-se realista
e, como se vê em Memórias Póstumas de Brás Cubas, ultrapassa até mesmo o
realismo, inaugurando uma nova fase na ficção brasileira.
Muitos psicanalistas veriam nessa relação um elemento edipiano, Carolina
representando para Machado uma figura materna. E isto ficou mais evidente
porque não tiveram filhos. Quando ela morreu, Machado desabou; sobreviveu-lhe
apenas quatro anos, doente e melancólico. Um poema escrito quando do
falecimento dela fala dessa paixão.
Coração de companheiro. Coração de companheira. Desses corações é que
são feitas as verdadeiras uniões.
Na foto abaixo, Carolina em 1869, ano em que se casou com
Machado de Assis.
Carolina
Querida, ao pé
do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.
Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro,
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs o mundo inteiro.
Trago-te flores - restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.
Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.
Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro,
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs o mundo inteiro.
Trago-te flores - restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.
Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.
Machado
de Assis, 1906
Carolina Augusta Xavier de Novais e
Joaquim Maria Machado de Assis casaram-se no dia 12 de novembro de 1869 e
viveram uma plácida e amorosa vida conjugal durante 35 anos. A morte da esposa,
em 1904, deixa Machado abatido e queixoso. Em carta a Joaquim Nabuco, datada de
20 de novembro do mesmo ano, escreve, lamentando-se:
“Foi-se a melhor parte da minha vida, e aqui estou só no mundo. Note
que a solidão não me é enfadonha, antes me é grata, porque é um modo de viver
com ela, ouvi-la, assistir aos mil cuidados que essa companheira de 35 anos de
casados tinha comigo; mas não há imaginação que não acorde, e a vigília aumenta
a falta da pessoa amada.”
(Carta a Joaquim
Nabuco, 20 de novembro de 1904)
Carolina aos 44 anos.
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