Sebastião Nery
Acima, a foto do marinheiro João Cândido, que
comandou o “Minas Gerais” e serviu de Almirante a toda esquadra revoltada.
Isabel Cristina Leopoldina Augusta
Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga, vulgo Princesa Isabel, recebeu do conselheiro
João Alfredo Correia, chefe do governo, a lei que “abolia a escravidão sem
indenização” e sancionou, no dia 13 de maio de 1888, uma bela data da história
do Brasil.
Era a “Lei Áurea”. Por causa dela, o
Papa Leão XIII a condecorou com a Rosa de Ouro, entregue em 28 de setembro de
1888 pelo Núncio Apostólico, com discurso do bispo baiano Dom Macedo Costa.
E a partir de então todo brasileiro
passou a abominar a escravidão? Nem todos. Os barões da terra, da cana, do café,
por motivos óbvios. Perdiam o trabalho escravo. E os barões da alma pela
perpetua malignidade de grande parte do bicho homem, que só os séculos vão
curando.
Marinha
Para espanto e repulsa, ainda há
muitos que pensam que escravizar era justo. No dia 9 de março de 2008, já 120
anos depois, na “Folha de S. Paulo”, Marcelo Beraba publicou uma nota do
comando da Marinha dizendo que a revolta de 1910 (contra espancamentos e mortes
de marinheiros nos navios da Marinha) “foi um triste episódio da história, uma
rebelião ilegal (sic), sem qualquer amparo moral ou legítimo (sic), que não
pode ser considerado como ato de bravura ou de caráter humanitário”.
Dizia a estapafúrdia nota da Marinha
que “a reivindicação do fim dos castigos corporais deveria ter sido encaminhada
por meio do exercício da argumentação e, sobretudo do diálogo (sic) entre as
partes”.
Queriam o “diálogo” do carrasco com
a vítima, da chibata com o lombo, do porrete com a cabeça, da guilhotina com o
pescoço. Ridículo alegar que não sabiam o que acontecia nos dantescos porões
dos navios.
Rui Barbosa
Os fatos já pertencem à historia, os
documentos estão ai, nas próprias gavetas da Marinha, para quem quiser rever,
conferir, comprovar. É só ler. Rui Barbosa denunciava da tribuna do Senado:
– “Extinguimos a escravidão sobre a
raça negra, mantemos, porém, a escravidão da raça branca entre os servidores da
Pátria”.
Na Câmara, o alagoano Aureliano
Candido Tavares Bastos, meu patrono (dos ex-seminaristas), jornalista no Rio
(escrevia “Cartas do Solitário” no “Correio Mercantil”), deputado (o mais jovem
da legislatura de 1861), oficial da Secretario da Marinha, “um dos grandes
pensadores políticos brasileiros, escritor e publicista de visão” (Enciclopédia
Britânica), interpelou na Câmara o ministro da Marinha:
– “E o emprego dos castigos corporais?
Não será possível acabar gradualmente com esses castigos lamentáveis e
vergonhosos”?
Tortura
Gastão Penalva escritor e
antigo oficial da Marinha, contou:
− “Um castigado suportou com bravura
mais de cem pancadas, com violação da lei que previa somente 25. Depois, não
pôde mais. Atirou-se de chofre no convés chorando como um perdido. Esperneava
como animal peado. Estrebuchava, ao uivar, de olhos vidrados para o céu sem
nuvens. O severo oficial comandante ordenou:
− “Recolha-o à enfermaria.”
“Embora no segundo dia da República o
decreto nº 3 de 16 de novembro de 1889 declarasse abolido o açoite na Armada,
havia um mestre nesse desumano sistema de tortura, Alípio, o carrasco do “Minas
Gerais”:
− “O bandido apanhava uma corda de
linho, atravessava-a de pequenas agulhas de aço, das mais resistentes e, para
inchar a corda, punha-a de molho para aparecerem apenas as pontas das agulhas.
O comandante, depois do toque de silêncio, lia uma proclamação. Tiravam as
algemas das mãos do infeliz e o suspendiam nu da cintura para cima. E Alípio
começava a aplicar os golpes. O sangue escorria. O paciente gemia, suplicava,
mas o facínora prosseguia carniceiramente o seu mister degradante. Os tambores,
batidos com furor, sufocavam os gritos. Muitos oficiais voltavam o rosto para o
lado. Todos estavam de luvas e armados de suas espadas. A marinheirada, com
repulsa e indignação, murmurava:
– “Isso vai
acabar”!
Covardia
E acabou. Era esse o “diálogo” que
alguns continuam defendendo. “O marinheiro cearense Marcelino Menezes recebeu
250 chibatadas aos olhos de toda a tripulação, formada no convés do “Minas
Gerais”. Em meio ao flagelo, desmaiou, mas o açoite continuou. Era 22 de
novembro de 1910. 2.300 marinheiros se rebelaram e assumiram os navios, sob o
comando do marinheiro João Cândido:
– “Um marinheiro formidável, escreveu
Gilberto Amado, testemunha. Não bombardeou nem teve um gesto de vingança”.
O Congresso interveio, houve anistia.
Veio a vingança covarde, “o massacre da Ilha das Cobras, com dezenas de
cadáveres de marinheiros e fuzileiros, a morte por asfixia a cal de quase duas
dezenas de aprisionados em suas masmorras, e a tragédia do navio “Satélite”:
fuzilamentos sumários, das costas de Pernambuco ao Amazonas, de 400 infelizes”.
Edmar Morel
Essa história toda está no livro
clássico de Edmar Morel, um dos maiores jornalistas brasileiros de todos os
tempos, “A Revolta da Chibata”, cuja 5ª edição, documentada, ampliada com as
memórias de João Cândido, foi lançada por seu neto, o brilhante historiador
Marco Morel, com prefácio de Evaristo de Moraes Filho, em bela edição da “Paz e
Terra”, comemorativa dos 50 anos da primeira, em 1959. Imperdível.
(Artigo publicado em
setembro de 2011)
(Do Blog Tribuna da Internet)
João Cândido participou e comandou a Revolta
dos Marinheiros do Rio de Janeiro (Revolta da Chibata) no ano de 1910,
movimento que trouxe benefícios aos marinheiros, com o fim dos castigos
corporais na Marinha, mas que trouxe prejuízos a João Cândido, que foi expulso
e renegado, vindo a trabalhar como timoneiro e carregador em algumas
embarcações particulares, sendo depois demitido definitivamente de todos os
serviços da Marinha por intervenção de alguns oficiais.
O “Almirante Negro”, como João
Cândido ficou conhecido, morreu aos 89 anos e teve ao todo 11 filhos ao longo
dos três casamentos. Faleceu na cidade de São João do Meriti, no Rio de Janeiro.
Na Praça 15, bem próximo às águas
da Baía de Guanabara (foto acima), temos a estátua que homenageia João Cândido,
também chamado “O Almirante Negro”, codinome que, até hoje, a Marinha
do Brasil não aceita.
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