Cantava, e as lágrimas rolavam-lhe em
dois fios ao longo da face magra e pálida. Sofria, mas, como era preciso que o
pequenino adormecesse, cantava, indo e vindo, devagar, embalando nos braços a
criança. O mais velho – três anos − olhava-a risonho e, de quando em quando,
cantarolava: “Estou com fome, mamãe! Estou com fome..” E o pequenito, insone,
muito esperto, a boquinha colada ao peito, sugava. “Estou com fome, mamãe...”:
cantarolava o outro.
Ia alta a manhã; mas, se o sol alegrava o quintalejo, que tristeza em casa! Viúva, tísica, desfigurada pela moléstia e pela fome, tímida demais para pedir esmolas, que havia de fazer a desgraçada? “Estou com fome, mamãe”; cantarolava o mais velho.
− Espera filho! Espera!
Como o pequenino adormecesse, a mãe
foi pé ante pé, e deitou-o sobre um fofo colchão de panos, a um canto da casa:
e o mais velho, seguindo-a, cantarolava sempre: “Estou com fome, mamãe...”
− Não faças bulha, filho: espera. E, acenando-lhe, passou à cozinha. Mas que havia de fazer?
Ardia a derradeira acha: e a mãe, os olhos rasos d‘água, pôs-se a soprar a lenha para atear o lume, enquanto o filho, que se lhe agarrava às saias, cantarolava: “Minha mãezinha... estou com fome”, − mas já contente, vendo que a chaleirinha fumegava. À mesa, porém, quando a mãe lhe apresentou a tigela e o pedacinho de pão da véspera, o pequeno fitou-a com espanto:
− Só café, mamãe?
− Só meu filho...
O pequeno, levando a colher à
boca, foi repelindo a tigela, com um beicinho, prestes a chorar.
− Não chores: olha que vais
acordar o maninho! Espera!
E, desabotoando o corpinho, tirou
o seio farto, pojado de leite e espremeu-o, trincando os lábios descorados por
onde as lágrimas corriam fio a fio, e, entregando a tigela ao filho:
− Toma, e
não faças bulha!
E o pequeno,
arregalando os olhos, satisfeito: “Agora sim!” pôs-se a cantarolar.
Baixinho, então, a mãe lhe
disse:
− E não peças mais, ouviste? o outro
é para o maninho. − E foi, pé ante pé, espiar o filho que dormia.
*****
*Do livro “Contos pátrios”,
autoria de Olavo Bilac e Coelho Neto, com lições maravilhosas de educação moral
e cívica, com desenhos de Vasco Lima, edição da Livraria Francisco Alves, 24ª
edição, Rio de Janeiro, 1928.
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