quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Joubert – Maringá

(Excertos)*

João Antônio


Gravura de Raimundo Cela

(1890-1954)

(...) um toque de sua história diferente, eletriza mito e lenda, auréola da realidade fadosa, um quê bem fadado no seu gostoso cantar − é Joubert de Carvalho;** tudo porque em 1930, Getúlio no poder no Distrito Federal, ele compôs uma gostosura dolente, acaboclada, uma canção de um jeito e outro nos catou a alma e foi daí, então, extrapolou de tão cantada pela boca do povo, ganhou as ruas largas e os barracos dos morros e percorreu o mundo dos sabidos; 12 anos mais tarde, no tempo da guerra, diretores da Companhia de Terras Norte do Paraná não achavam um nome de batismo para a cidade em construção, a mulher de um deles, uma Elisabeth Thomas (...) sugeriu o nome de uma canção, os trabalhadores suados meio que merencórios naquele pó vermelho costumavam cantar e com que se distraíam na luta braba da construção, suor, e, de assim, Joubert de Carvalho que nada tinha a ver entrou para a história toda no imponderável do acaso, como por acaso a mão do mestre trabalha, uma ciência de força estranha galopa embutida, tinha feito a música só para agradecer um favor, a sua nomeação para o instituto dos marítimos lá no Rio de Janeiro e, nas rodas, largando boquiabertos os que ouviam, a história saiu mesma inteira de sua boca (...)

Rui Carneiro, depois senador, sugeriu que Joubert fizesse uma composição sobre o nordeste calcinado e penando miséria, pois ele era oficial de gabinete do ministro que gramava com um problema grave dos graves, a seca e naquele momento, de estalo, Joubert viu o invisível ou viu o que a ele só era visível. A música latejou à sua frente, clara e pronta, dançando na cabeça, embalando, criada, e perguntou a Rui Carneiro de onde era José Américo,*** era de Areias, já nas serras da Paraíba. Não gostou. Areias não era musical, achou o poeta, e quis saber onde Rui tinhas nascido − Pombal − e, daí, o Rio antigo, os versos escorreram pelos dedos, vieram crescidos, dolente, sem cautela, cheios, lavor fino. Nasceram feitos.

Antigamente
Uma alegria sem igual
Dominava aquela gente
Da cidade de Pombal.
Mas veio a seca
Toda a chuva foi-se embora
Só restando então as águas
Dos meus olhos quando chora.

Êpa; jorrou! Mas não tudo. Tinha mais mágica no fundo do baú e mais carne debaixo do angu, que em toda história sempre entra uma mulher e, na sequência, pensei, tenho que botar uma Maria aqui, porque vida sem Maria... mas ela vai embora, deixando um caboclo apaixonado, e de onde seria Maria? Joubert perguntou a Rui onde a seca castigava mais tirana e ele disse vários municípios, o de Ingá, inclusive. Aí, baixa a iluminação de estalo e o poeta pensa em Maria do Ingá e cortei, deu Maringá.

Foi numa leva
Que a cabocla Maringá
Ficou sendo a retirante
Que mais dava o que falá
E junto dela
Veio alguém que suplicou
Pra que nunca se esquecesse
De um caboclo que ficou.

Maringá, Maringá,
Depois que tu partiste
Tudo aqui ficou tão triste
Que eu ʽgarrei a imagináʼ
Maringá, Maringá,
Pra haver felicidade
É preciso que a saudade
Vá bater noutro lugar.

Maringá, Maringá,
Volta aqui pro sertão,
Pra de novo o coração
De um caboclo assussegá.

Antigamente
Uma alegria sem igual
Dominavam aquela gente
Da cidade de Pombal.
Mas veio a seca
Toda a chuva foi-se embora
Só restando então as águas
Dos meus olhos quando chora.


*Excertos: partes do texto.

**Joubert de Carvalho, (Uberaba, 6 de março de 1900Rio de Janeiro, 20 de setembro de 1977) foi um médico e compositor brasileiro, autor de canções como “Maringá” e  “Taí”.

*** José Américo de Almeida (1887-1980) foi um escritor e político brasileiro. Sua obra “A Bagaceira” deu início à “Geração Regionalista do Nordeste”. Foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, em 27 de outubro de 1966, ocupando a cadeira 38. Foi também advogado, professor universitário, folclorista e sociólogo.

José Américo de Almeida (1887-1980) nasceu no engenho Olho d'Água, município de Areias, Paraíba, no dia 10 de janeiro de 1887.

Observações finais:

A canção Maringá, de Joubert de Carvalho foi feita para homenagear a cidade de Ingá, no interior da Paraíba, onde nasceu o seu amigo, Rui Carneiro; 

a cidade de Maringá, interior do Paraná, recebeu esse nome em virtude da música Maringá, do autor citado acima, que os trabalhadores cantavam no seu dia a dia.

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