(Excertos)*
João Antônio
Gravura de Raimundo
Cela
(1890-1954)
(...) um toque de sua história
diferente, eletriza mito e lenda, auréola da realidade fadosa, um quê bem
fadado no seu gostoso cantar − é Joubert de Carvalho;** tudo porque em 1930,
Getúlio no poder no Distrito Federal, ele compôs uma gostosura dolente,
acaboclada, uma canção de um jeito e outro nos catou a alma e foi daí, então,
extrapolou de tão cantada pela boca do povo, ganhou as ruas largas e os
barracos dos morros e percorreu o mundo dos sabidos; 12 anos mais tarde, no
tempo da guerra, diretores da Companhia de Terras Norte do Paraná não achavam
um nome de batismo para a cidade em construção, a mulher de um deles, uma
Elisabeth Thomas (...) sugeriu o nome de uma canção, os trabalhadores suados
meio que merencórios naquele pó vermelho costumavam cantar e com que se distraíam
na luta braba da construção, suor, e, de assim, Joubert de Carvalho que nada
tinha a ver entrou para a história toda no imponderável do acaso, como por
acaso a mão do mestre trabalha, uma ciência de força estranha galopa embutida,
tinha feito a música só para agradecer um favor, a sua nomeação para o
instituto dos marítimos lá no Rio de Janeiro e, nas rodas, largando
boquiabertos os que ouviam, a história saiu mesma inteira de sua boca (...)
Rui Carneiro, depois senador, sugeriu
que Joubert fizesse uma composição sobre o nordeste calcinado e penando
miséria, pois ele era oficial de gabinete do ministro que gramava com um problema
grave dos graves, a seca e naquele momento, de estalo, Joubert viu o invisível
ou viu o que a ele só era visível. A música latejou à sua frente, clara e
pronta, dançando na cabeça, embalando, criada, e perguntou a Rui Carneiro de
onde era José Américo,*** era de Areias, já nas serras da Paraíba. Não gostou.
Areias não era musical, achou o poeta, e quis saber onde Rui tinhas nascido −
Pombal − e, daí, o Rio antigo, os versos escorreram pelos dedos, vieram
crescidos, dolente, sem cautela, cheios, lavor fino. Nasceram feitos.
Antigamente
Uma alegria
sem igual
Dominava
aquela gente
Da cidade de
Pombal.
Mas veio a
seca
Toda a chuva
foi-se embora
Só restando
então as águas
Dos meus
olhos quando chora.
Êpa; jorrou! Mas não tudo. Tinha mais
mágica no fundo do baú e mais carne debaixo do angu, que em toda história
sempre entra uma mulher e, na sequência, pensei, tenho que botar uma Maria
aqui, porque vida sem Maria... mas ela vai embora, deixando um caboclo
apaixonado, e de onde seria Maria? Joubert perguntou a Rui onde a seca
castigava mais tirana e ele disse vários municípios, o de Ingá, inclusive. Aí,
baixa a iluminação de estalo e o poeta pensa em Maria do Ingá e cortei, deu
Maringá.
Foi numa leva
Que a cabocla
Maringá
Ficou sendo a
retirante
Que mais dava
o que falá
E junto dela
Veio alguém
que suplicou
Pra que nunca
se esquecesse
De um caboclo
que ficou.
Maringá,
Maringá,
Depois que tu
partiste
Tudo aqui
ficou tão triste
Que eu ʽgarrei
a imagináʼ
Maringá,
Maringá,
Pra haver
felicidade
É preciso que
a saudade
Vá bater
noutro lugar.
Maringá,
Maringá,
Volta aqui
pro sertão,
Pra de novo o
coração
De um caboclo
assussegá.
Antigamente
Uma alegria
sem igual
Dominavam
aquela gente
Da cidade de
Pombal.
Mas veio a
seca
Toda a chuva
foi-se embora
Só restando
então as águas
Dos meus
olhos quando chora.
*Excertos: partes do texto.
**Joubert de
Carvalho, (Uberaba,
6 de março
de 1900
− Rio de Janeiro, 20 de
setembro de 1977)
foi um médico
e compositor
brasileiro,
autor de canções
como “Maringá” e “Taí”.
*** José Américo de Almeida
(1887-1980) foi um escritor e político brasileiro. Sua obra “A Bagaceira” deu
início à “Geração Regionalista do Nordeste”. Foi eleito para a Academia
Brasileira de Letras, em 27 de outubro de 1966, ocupando a cadeira 38. Foi
também advogado, professor universitário, folclorista e sociólogo.
José Américo de Almeida
(1887-1980) nasceu no engenho Olho d'Água, município de Areias, Paraíba, no dia
10 de janeiro de 1887.
Observações finais:
A canção Maringá, de Joubert de
Carvalho foi feita para homenagear a cidade de Ingá, no interior da Paraíba, onde nasceu o seu amigo, Rui Carneiro;
a
cidade de Maringá, interior do Paraná, recebeu esse nome em virtude da música
Maringá, do autor citado acima, que os trabalhadores cantavam no seu dia a dia.
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