Manuel bandeira foi o poeta mais musicado de sua
geração
(excertos da
reportagem)
Por Marcelo Bortoloti
Manuel bandeira
(...)
O primeiro parceiro de Manuel
Bandeira foi o compositor Villa-Lobos. A dupla tem cerca de 15 composições em
conjunto – a maioria não foi gravada ou só pode ser encontrada em discos hoje
fora de circulação. Villa-Lobos musicou poemas de Bandeira como “O anjo da
guarda” e “Debussy”, composição apresentada na Semana de 1922. A pedido do maestro,
o poeta também escreveu letras para canções como “Modinha” e “Jurupari” –
produção que Bandeira não considerava o melhor de sua lavra, como registrou nas
memórias: “Lidas independentemente da música, não valem nada, tanto que nunca
pude aproveitar nenhuma delas”. Também é de autoria do pernambucano a letra de
um dos movimentos da “Bachiana no 5” .
A peça foi composta por Villa-Lobos inicialmente em 1938 e completada em 1945. A primeira parte, que
tem letra da cantora e desconhecida poeta Ruth Valadares Correa, obteve
projeção internacional e é uma das composições mais famosas do maestro. A parte
com letra de Bandeira não teve a mesma repercussão e é conhecida por poucos.
Bachiana nº 5
(Dança Martelo)
Manuel Bandeira e
Villa-Lobos
Irerê, meu passarinho
Do sertão do cariri,
Irerê, meu companheiro,
Cadê viola?
Cadê meu bem?
Cadê Maria?
Ai triste sorte a do violeiro
cantadô!
Sem a viola em que cantava o seu
amô,
Seu assobio é tua flauta de irerê:
Que tua flauta do sertão quando
assobia,
A gente sofre sem querê!
Teu canto chega lá do fundo do sertão
Como uma brisa amolecendo o
coração.
Irerê, solta teu canto!
Canta mais! Canta mais!
Pra alembrá o cariri!
Canta, cambaxirra!
Canta, juriti!
Canta, irerê!
Canta, canta, sofrê!
Patativa! Bem-te-vi!
Maria-acorda-que-é-dia!
Cantem, todos vocês,
Passarinhos do sertão!
Bem-te-vi!
Eh sabiá!
Lá! Liá! liá! liá! liá! liá!
Eh sabiá da mata cantadô!
Lá! Liá! liá! liá!
Lá! Liá! liá! liá! liá! liá!
Eh sabiá da mata sofredô!
O vosso canto vem do fundo do
sertão
Como uma brisa amolecendo o
coração
(...)
Outro parceiro de Manuel Bandeira
foi o compositor paulistano Francisco Mignone, músico também erudito. Ele
musicou 14 poemas do pernambucano, inclusive depois de sua morte. Bandeira,
além disso, escreveu letras para quatro composições melódicas de Mignone. Uma delas
é uma peça sacra, com o título “Alegrias de Nossa Senhora”. Mignone teve a
ideia da composição e durante anos pediu uma letra ao poeta. Na década de 1940,
Bandeira encontrou o poema perfeito para a música, escrito por uma das freiras
do Convento das Carmelitas, no Rio de Janeiro. Ele frequentava o lugar para
ajudar as irmãs a esclarecer dúvidas de português. O poeta modificou os versos
para adaptá-los à forma musical. O resultado foi uma letra a quatro mãos, que a
freira não quis assinar, em respeito aos votos de humildade do convento.
Bandeira ainda deu crédito à freira, ao contar a história numa crônica de
jornal. Mas, com o passar dos anos, a autoria da letra foi atribuída somente ao
pernambucano. A composição foi apresentada pela primeira vez num concerto no
Rio, em 1949, e obteve boas críticas. Mas só voltou a ser executada em 1955 e
nunca foi gravada.
Francisco Mignone
Hino do Quarto Centenário da Cidade do Rio de Janeiro
Manuel Bandeira e
Francisco Mignone
Na beleza de tua luz clara,
Serás sempre − o futuro o dirá −
Coração do Brasil, Guanabara,
Ó cidade de Estácio de Sá!
Serás sempre − o futuro o dirá −
Coração do Brasil, Guanabara,
Ó cidade de Estácio de Sá!
Ao fundar-te o valor português
Junto à encosta do morro do Cão
Não pensou que haverias de ser
Deste imenso Brasil coração.
E porque, sobremodo crescente,
Capital te fizeram um dia.
Grandes honras de glória tiveste...
Incessante tua força crescia.
Capital te fizeram um dia.
Grandes honras de glória tiveste...
Incessante tua força crescia.
Quatro séculos faz já que existes.
Já deixaste de ser capital.
Tua glória no entanto persiste:
Fê-la o seu padroeiro imortal.
Fê-la o seu padroeiro imortal.
Na beleza de tua luz clara,
Serás sempre − o futuro o dirá −
Coração do Brasil, Guanabara,
Ó cidade de Estácio de Sá!
Serás sempre − o futuro o dirá −
Coração do Brasil, Guanabara,
Ó cidade de Estácio de Sá!
Bandeira e Mignone também criaram
juntos um hino para o Rio de Janeiro. Foi em 1965, durante a comemoração do
quarto centenário da cidade. Havia na época uma polêmica em torno do hino
extraoficial do município, “Cidade Maravilhosa”, uma marcha carnavalesca da
década de 1930 composta por André Filho. Deputados alegavam que a música não
refletia o sentimento patriótico dos cariocas e a cidade merecia um hino com as
características musicais do gênero. Carlos Lacerda, governador do estado da
Guanabara, realizou um concurso público para a escolha do hino do quarto
centenário, cujo resultado foi um fiasco. Amigo de Bandeira, ele encomendou ao
poeta uma canção. Outras músicas comemorativas foram compostas por diferentes
autores na mesma ocasião e lançadas comercialmente. Nenhuma delas prosperou
como hino da cidade. O “Hino do quarto centenário do Rio de Janeiro”, de
autoria de Bandeira e Mignone, foi lançado num disco compacto, que tinha essa
faixa de um lado e, do outro, a marcha “Cidade Maravilhosa”. Essa, por sua vez,
foi oficializada como hino da cidade por meio de uma lei de 2003. O hino de
Manuel Bandeira permaneceu no ostracismo.
O poeta experimentou algum
sucesso no campo musical em suas parcerias com o compositor paraense Jayme
Ovalle. O músico transitava entre o popular e o erudito, e era um boêmio
conhecido, influente no meio cultural carioca. Vinicius de Moraes costumava
dizer que quando Ovalle entrava em algum ambiente a temperatura subia 2 graus,
dado seu poder de sedução. Ele e Bandeira compuseram juntos apenas duas
músicas: “Modinha” e “Azulão”. Esta última, de 1936, apesar dos versos simples,
tornou-se a mais famosa composição do poeta pernambucano.
Jayme Ovalle
Azulão
Manuel Bandeira e
Jayme Ovalle →
Vai azulão, azulão
Companheiro vai
Vai ver minha ingrata
Diz que sem ela
O sertão não é mais sertão
Ah! voa azulão
Vai cantar
Companheiro
Vai
Em 1955, fez parceria com o
compositor Ary Barroso, autor de “Aquarela do Brasil”, que gozava de enorme cartaz.
Por iniciativa do jornalista João Condé, promotor do encontro, eles compuseram
juntos a canção “Portugal, meu avozinho”. O anúncio da parceria provocou mais
de uma dezena de reportagens nos jornais. O samba seria gravado por Sílvio
Caldas, um dos grandes nomes da música brasileira na ocasião, num arranjo que
misturaria dez guitarras portuguesas a pandeiros e tamborins. Em uma das
reportagens, Ary Barroso declarou: “Pretendemos lançá-lo depois do Carnaval, de
modo tão ruidoso quanto a ‘onda’ de que foi alvo. Temos grandes esperanças
financeiras a respeito do samba”. Na mesma reportagem, Barroso também disse
que, se obtivessem o sucesso esperado, continuariam compondo juntos.
Ary Barroso, Manuel Bandeira e João Condé
Portugal, meu avozinho
Manuel bandeira e Ary
Barroso
Como foi que temperaste,
Portugal, meu avozinho,
Esse gosto misturado
De saudade e de carinho?
Portugal, meu avozinho,
Esse gosto misturado
De saudade e de carinho?
Esse gosto misturado
De pele branca e trigueira,
Gosto de África e de Europa,
Que é o da gente brasileira.
Gosto de samba e de fado,
Portugal, meu avozinho,
Ai, Portugal, que ensinaste
Ao Brasil o teu carinho!
Tu de um lado e do outro lado
Nós... No meio o mar profundo...
Mas, por mais fundo que seja,
Somos os dois um só mundo.
Mas, por mais fundo que seja,
Somos os dois um só mundo.
Grande mundo de ternura
Feito de três continentes...
Ai, mundo de Portugal,
Gente mãe de tantas gentes!
Ai, Portugal de Camões,
Do bom trigo e do bom vinho,
Que nos deste, ai avozinho,
Esse gosto misturado,
Que é saudade e que é carinho.
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