sábado, 16 de fevereiro de 2019

O Feijão e O Sonho

Orígenes Lessa

(Capítulo 51)

Campos Lara notou, nos olhos ensombrados, sonhadores, do filho, que o rapaz o procurava. Tinha qualquer necessidade de desabafo. Alegrou-se. O filho chegava-se. Não quis ser indiscreto. Não perguntou. Esperou. Os dias foram passando. Joãozinho às vezes sentava-se ao seu lado, no escritório, a palavra afogada na garganta.

O pai via os olhos tristes do filho, contava as espinhas no seu rosto. Era amor. Com certeza era amor. Estava na idade. E esperava a confidência.

Uma tarde, o rapaz se atreveu.

− Papai, eu estava querendo falar com o senhor.

− Fale, meu filho.

De certo ia pedir licença para casar-se. Que loucura! Naquela idade... Mas o menino hesitava. Afinal, criou coragem. E contou que estava escrevendo umas coisas. Não sabia se prestavam, se tinha jeito. Não queria fazer papel ridículo. Estava há muito para lhe falar. Queria a sua opinião franca. Estava disposto a ver a bobagem?

Campos Lara empalideceu.

Estava.

E muito vermelho, trêmulo, o rapaz lhe estendeu uma folha. Era um poema. O pai sentiu uma turvação na vista, percebeu que o coração lhe batucava no peito. Correu os olhos pelo poema, versos livres, linguagem nova, imagens febris, uma revelação inquietante de poeta, voltado para os problemas que eram a angústia da sua geração.

Seu filho era poeta. Um arrepio de orgulho e de emoção percorreu-lhe a pele. Afinal de contas, tinha sido aquele o seu sonho toda vida. Um filho que o perpetuasse, que valesse por si, que lhe continuasse a obra. E teve o impulso de abraçá-lo. Sentiu que seus olhos se enublavam de lágrimas. Lembrou-se, porém, de sua vida. Dos anos de luta, de sonho, de tormento e de agonia criadora. Da vida árdua, humilde, sacrificada e dolorosa que vivera. Da existência que dera à família, dominado pelo seu devotamento exclusivo à arte. Da vida que dera ao próprio filho. Era essa, a vida que ele tinha diante de si. Que teriam o filhos de seu filho. E que seria talvez pior, porque não era somente a arte a chamá-lo. Outras insídias e outros desenganos o esperavam.

− Prestam? Continuo?

Campos Lara sorriu. E batendo um cigarro, o pensamento melancólico no vazio da vida, ficou olhando o filho, sem achar resposta.

(O Feijão e o Sonho, Melhoramentos, 4ª  Edição São Paulo)


Orígenes Lessa foi um jornalista, contista, novelista, romancista e ensaísta brasileiro, e imortal da Academia Brasileira de Letras.
Nascimento: 12 de julho de 1903, Lençóis Paulista, São Paulo;
Falecimento: 13 de julho de 1986, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro;
Filmes: A Intrusa, A Mulher do Desejo, Anjos e Demônios, Un sueño y nada más; e vários livros adultos e infantis.


Orígenes Lessa


2 comentários:

  1. Sempre havia um texto assim nas aulas de português era bom demais !!!

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    1. Eu mesmo, como professor, utilizei-o, em prova de interpretação de texto, muitas vezes em sala de aula...

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