Orígenes Lessa
(Capítulo 51)
Campos Lara notou, nos olhos
ensombrados, sonhadores, do filho, que o rapaz o procurava. Tinha qualquer
necessidade de desabafo. Alegrou-se. O filho chegava-se. Não quis ser
indiscreto. Não perguntou. Esperou. Os dias foram passando. Joãozinho às vezes
sentava-se ao seu lado, no escritório, a palavra afogada na garganta.
O pai via os olhos tristes do filho,
contava as espinhas no seu rosto. Era amor. Com certeza era amor. Estava na
idade. E esperava a confidência.
Uma tarde, o
rapaz se atreveu.
− Papai, eu
estava querendo falar com o senhor.
− Fale, meu
filho.
De certo ia pedir licença para
casar-se. Que loucura! Naquela idade... Mas o menino hesitava. Afinal, criou
coragem. E contou que estava escrevendo umas coisas. Não sabia se prestavam, se
tinha jeito. Não queria fazer papel ridículo. Estava há muito para lhe falar.
Queria a sua opinião franca. Estava disposto a ver a bobagem?
Campos Lara
empalideceu.
Estava.
E muito vermelho, trêmulo, o rapaz
lhe estendeu uma folha. Era um poema. O pai sentiu uma turvação na vista,
percebeu que o coração lhe batucava no peito. Correu os olhos pelo poema,
versos livres, linguagem nova, imagens febris, uma revelação inquietante de
poeta, voltado para os problemas que eram a angústia da sua geração.
Seu filho era poeta. Um arrepio de
orgulho e de emoção percorreu-lhe a pele. Afinal de contas, tinha sido aquele o
seu sonho toda vida. Um filho que o perpetuasse, que valesse por si, que lhe
continuasse a obra. E teve o impulso de abraçá-lo. Sentiu que seus olhos se enublavam
de lágrimas. Lembrou-se, porém, de sua vida. Dos anos de luta, de sonho, de
tormento e de agonia criadora. Da vida árdua, humilde, sacrificada e dolorosa
que vivera. Da existência que dera à família, dominado pelo seu devotamento
exclusivo à arte. Da vida que dera ao próprio filho. Era essa, a vida que ele
tinha diante de si. Que teriam o filhos de seu filho. E que seria talvez pior,
porque não era somente a arte a chamá-lo. Outras insídias e outros desenganos o
esperavam.
− Prestam?
Continuo?
Campos Lara sorriu. E batendo um
cigarro, o pensamento melancólico no vazio da vida, ficou olhando o filho, sem
achar resposta.
(O Feijão e o Sonho, Melhoramentos, 4ª Edição São Paulo)
Orígenes Lessa foi um jornalista, contista, novelista, romancista e ensaísta brasileiro, e imortal da Academia Brasileira de Letras.
Nascimento: 12 de julho de 1903, Lençóis Paulista, São Paulo;
Falecimento: 13 de julho de 1986, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro;
Filmes: A Intrusa, A Mulher do Desejo, Anjos e Demônios, Un sueño y nada más; e vários livros adultos e infantis.
Orígenes Lessa
Sempre havia um texto assim nas aulas de português era bom demais !!!
ResponderExcluirEu mesmo, como professor, utilizei-o, em prova de interpretação de texto, muitas vezes em sala de aula...
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