sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Qualidade e Quantidade

Fábula de Monteiro Lobato


Meteu-se um mono* a falar numa roda de sábios e tais asneiras disse que foi corrido a pontapés.

– Quê? Exclamou ele. Enxotam-me daqui? Negam-me talento? Pois hei de provar que sou um grande figurão e vocês não passam duns idiotas.

Enterrou o chapéu na cabeça e dirigiu-se à praça pública onde se apinhava copiosa multidão de beócios*. Lá trepou em cima duma pipa e pôs-se a declamar.

Disse asneiras* como nunca, tolices de duas arrobas, besteiras de dar com um pau. Mas como gesticulava e berrava furiosamente, o povo em delírio o aplaudiu com palmas e vivas – e acabou carregando-o em triunfo.

– Viram? – resmungou ele ao passar ao pé dos sábios. Reconheceram a minha força?

Respondam-me agora: que vale a opinião de vocês diante desta vitória popular?

Um dos sábios retrucou serenamente:

“A opinião da qualidade despreza a opinião da quantidade”.

*****

* mono: macaco;

* beócio: relativo à Beócia, região da antiga Grécia ao Norte e Noroeste da Ática, ou o seu natural ou habitante. Por extensão pejorativo, que ou o que apresenta as características atribuídas (pelos atenienses) aos beócios, ou seja, espírito pouco cultivado, indiferença à cultura; grosseiro, boçal;

* asneira: ato ou dito tolo ou impensado; bobagem, dislate, tolice. Asneira vem de asno mais – eira, do Latim arius, um sufixo formador de adjetivos. E asno é do Latim asinus, “asno”, de provável origem no Sumério ansu. 


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