*(1866-1918)
Caricatura de Emilio
de Menezes por Storni,
→ A obra de Emílio de Menezes,
inclusive, foi definida também em um soneto escrito por seu amigo de boemia
Bastos Tigre:
O florete sutil de um pérfido
epigrama
Não há quem, como Emílio,
ousadamente esgrima.
Ai de quem do seu verso a
estultice deprima,
Vibrando-o a gargalhar, como um
látego em chama!
Às vezes, ele sobe, e vai,
Parnaso acima,
E dos “Poemas da Morte” alvo
caudal derrama.
O impecável da Forma, a opulência
da Rima,
Lhe dão de egrégio poeta a
quebradeira e a fama.
Juvenal (sem Pacheco) e de
bigodes grossos,
Ao vê-lo, a turba alvar de
tartufos e soezes,
Jogando a banha farta, e
sacudindo os ossos,
Exclama, a suspirar, benzendo-se
três vezes:
− “Livrai-nos, santo Deus, dos
inimigos nossos,
E da língua fatal do Emílio de
Menezes!”
→ No conhecido episódio do veto
de Machado de Assis a Emílio de Menezes, atribui-se a excessiva boêmia do poeta
curitibano a causa da incomum intervenção machadiana. No entanto, Josué
Montello nos conta que Machado não gostava dos constantes ataques de Emílio a
Mário de Alencar como no soneto.
Mariposas
Para a cadeira vaga
na Academia de Letras
A “Panelinha” de literatura
Que ferve no fogão da Academia,
Vai frigir, em tenríssima
fritura,
O “enfant prodige” da burocracia.
O êxito é todo da candidatura
De um nascituro poeta, e, − quem
diria! −
Do Severiano e do Domingos fura
A chapa o Mário, neste grande
dia!
Glória das glórias, o incipiente
Mário
Entra, senta-se e grita: “Eu aqui
fico.
Vou completar o meu curso
primário!”
Mostra a “bagagem”. Que pecúlio
rico!
─ Calças curtas, a lousa, o
abecedário
E o primeiro exemplar do
“Tico-Tico”!
O ataque
→ Saturnino Barbosa, após uma
pequena rusga com o escritor em uma reunião da Sociedade Brasileira dos Homens
de Letras, realizou um retrato de Emilio de Menezes:
Bojudo latagão de longas guias
No carão rubicundo e petulante,
Quando caminha, lembra um
elefante
Que prelibasse uísque nas orgias.
Gosta das musas; fala a todo
instante
Da vida alheia; é um poço de
arrelias
De onde pululam finas ironias,
Quando cheio de um líquido
espumante...
Eis o grande poeta celebrado
Que por descuido ao mundo foi
lançado
Para terror dos homens e dos
bichos.
Em guarda, engenhos maus! Alerta,
oh gente!
Abram alas à sátira mordente,
Chuços, calinos, rótulas,
esguichos...
A réplica de Emilio de Menezes
Pedagogo pernóstico e pedante
Com vastas pretensões a literato;
Barrigudinho, cético, insensato,
Portador de uma cara
extravagante.
Eis o poetastro trêfego e barato
Que o chicote da crítica ululante
A zero reduziu no mesmo instante
Em que passou a residir no mato.
Hoje não vibra mais, é letra
morta,
Nem sonetos, nem livros maltrapilhos:
Passa o tempo a pedir, de porta
em porta.
Há de acabar assassinando os
seus,
Como Saturno a devorar os filhos,
O matador sacrilégio de Deus.
→ O escritor B. Lopes (gravura
abaixo) ambientava seus livros no mundo aristocrático e se vestia de modo
espalhafatoso. Por essas características, logo recebeu as pinceladas de Emílio.
Empertigado, malandrim pachola,
De polainas, monóculo e bombachas,
Mandou pôr nas botinas meia sola,
E abandonou de vez Porto das
Caixas.
Trás registradas na caraminhola
Marcas de pontapés e de bolachas.
Faz versos; nos lundus, ao som da
viola,
É o Conde Monsaraz das classes
baixas.
De Sinhá Flor na rabadilha,
ansioso,
Com seu focinho no ar e ereto o
rabo,
Tem estesias de cachorro gozo.
Come sardinha e dois vinténs de
nabo;
Bufa num quebra-queixo pavoroso,
E arrota petisqueiras do nababo!
→ O escritor de Porto das Caixas
ficou furioso com o soneto e tratou de maldizer Emílio no que se refere à sua
obesidade
Esse que a forma lembra de uma
pipa,
Das que vazam cachaça em vez de
vinho,
Esse monstro de palha e de
toucinho,
De pouco cérebro e de muita
tripa...
→ Emílio, ao tomar contato com o verso de B. Lopes, escreveu
outro soneto:
Como passas B. Lopes? −Eu?
Maluco!
Julguei um dia possuir
princesas...
− E arranjaste este tipo
mameluco?
− Que anda me pondo cá lampas
acesas.
− Mas eu te vejo sempre em tais
proezas...
− “Era a mais bela flor de
Pernambuco”
− E hoje? Perdeu acaso tais
belezas?
É o mais feio canhão de
Chacabuco.
Mas coragem! Que a rima se derive
Pelo reguinho do meu verso, à toa
Murmurando, ao passar, rimas em
ive
Vejo-te magro, espinafrado... − É
boa!
Pois tu não sabes que comigo vive
D. Adelaide de Mendonça Uchoa?
→ Devido às críticas que Oliveira
Lima (pintura abaixo) deferiu contra a sua política. Polêmicas
à parte, o soneto se tornou um dos mais conhecidos de Emílio de Menezes:
De carne mole e pele bambalhona,
Ante a própria figura se extasia
Como oliveira ele não dá
azeitona;
Sendo lima, parece melancia.
Atravancando a porta que ambiciona,
Não deixa entrar, nem entra. É
uma mania!
Dão-lhe, por isso, a alcunha
brincalhona,
De “paravento” da diplomacia.
Não existe exemplar na
atualidade,
De corpo tal e de ambição
tamanha,
Nem para intriga igual
habilidade!
Eis, em resumo, essa figura estranha:
Tem mil léguas quadradas de
vaidade,
Por milímetro cúbico de banha
→ Aliás, para ser alvo das
sátiras emilianas não precisava ser um desafeto do autor, apenas bastava não
ser simpático. Dentre esses Deuses postos em ceroulas há o chefe de polícia
Aurelino Leal.
Não és somente um diretor de
estrada
Ó Sansão capilar. És estradeiro,
Como o diz, provocando a
gargalhada,
O nosso Oscar, trocista e
galhofeiro.
Realmente! Com tal cara, assim
barbada
Que incita a raiva de qualquer
barbeiro,
És bem o que se diz: Praça
escovada,
Das de embrulhar um regimento
inteiro.
Levas, no cargo, a vida a fazer
fitas!
Como o carvão te traz mil
dissabores.
De reduz-lo a pó, firme cogitas.
Se do pó do carvão na poeira
fores,
Terás, nessas tuas barbas
infinitas,
Matéria-prima para espanadores.
→ Na sátira a Cerqueira Leite, podemos visualizar o retrato
da persona satirizada:
Homem sério, porém politiqueiro,
De inteligência mais ou menos
clara,
É um edil, camarista ou
camareiro,
De raro estofo e de feição bem
rara.
Mais seco do que arenque de
fumeiro,
Todo feito em lasquinhas de
taquara,
Sacode em contorções o corpo
inteiro
E tem puxos de filme pela cara.
Tem um nariz de cinco ou seis
andares.
Se ele entulhasse num mister
diverso,
De bicha, traques, fogos
populares.
Faria uma fortuna, − é
incontroverso, −
Pois, naquele nariz, turvem-se os
ares!
Cabem todos os traques do
universo.
→ No soneto escrito a um
indivíduo identificado como L.G. vemos essa oscilação entre clareza e
obscuridade na decodificação dos signos
L.G.
Este vale, em toucinho, a inteira
Minas;
Derretê-lo, seria um desencargo
Para a atual crise das gorduras
suínas.
(O Monteirinho a isso põe
embargo.)
Arrota francos, marcos,
esterlinas,
Mas uma alcunha o faz azedo e
amargo:
“Senador Tonelada”. Usa botinas
Cinquenta e quatro, à sombra,
bico largo.
Tem uma proverbial sobrecasaca,
Cujo pano daria, em cor cinzenta,
Para o Circo Spinelli uma
barraca.
Da do Oliveira Lima ela é parenta
Pois só o forro das mangas dá, em
alpaca,
Para o novo balão do Ferramenta.
→ Um dos recursos do qual Emílio
mais fazia uso era o rebaixamento moral de seus satirizados. Como exemplo,
podemos analisar esse verso em referência ao acadêmico Afrânio Peixoto:
A porta da nomeada a muque
arromba,
Pula a janela da celebridade,
Como o Quincas Barbeiro ou o
Chico Bomba,
No subúrbio, ou no centro da
cidade.
Nada aplaca o furor que a alma
lhe invade
Ao sentir que, alto, o nome não
ribomba,
Mas abafa, com manha e
habilidade,
O uivar da fera no arrulhar da
pomba.
Pônei quer ser quando a trotar se
atira.
Mas, por muito que, a andar, ele
se esgote,
Todos sabem que é trêfego
piquira.
Vence, entretanto, um puro sangue
ao trote,
Se o alazonado bigodinho vira,
Na forma de um anzol pesca ao
dote.
→ Na sátira dirigida ao governador do Amazonas, Pires
Ferreira, um verso merece destaque:
É tão feio que, assim
nonagenário,
À sua própria fealdade une as
alheias.
O seu rosto é um mosaico
extraordinário
De pedacinhos de mulheres feias.
→ Outro poema foi feito para o
ministro Lauro Muller ressalta a altura e magreza do caricaturado:
De uma magreza de evitar
chuvisco,
Tem a altura fatal de um
para-raio,
Tão alto que, se o aspecto lhe
rabisco,
Na vertigem da altura até
desmaio.
→ Outro recurso empregado é o
jogo com o nome dos satirizados. Para caricaturar um indivíduo chamado Fernando
José Patrício, Emílio faz um trocadilho com o nome do seu alvo que caíra em um
conto do vigário.
Que o delegado de olho vivo seja
Nesse inquérito ao qual já deu
início
E se a verdade descobrir deseja
Note que o gajo é mestre no
artifício.
Com tal nome não vai à minha
igreja,
Pois de pátria não ter tem ele o
vício;
Em qualquer parte que Patrício
esteja
Ele de todos há de ser patrício.
O caso nada tem de
extraordinário:
O vigarista, porque andasse
pronto,
Viu no Patrício o desejado
otário...
Mas repare a polícia neste ponto:
Se prender o contista do vigário,
Não deixe solta a vítima do conto!
Não deixe solta a vítima do conto!
→ Hemetério dos Santos, por
exemplo, professor do Colégio Militar e major honorário do Exército, foi
pintado como um tipo preto, orgulhoso e petulante.
Neto de Obá, do príncipe
africano,
Não faz congadas, corta no
maxixe.
Herbert Spencer de ébano e de
guano,
É um Froebel de nanquim ou de
azeviche.
Na instrução, onde fala,
soberano,
Diz: − Que comigo a crítica se
lixe!
Sou o mais completo pedagogo
urbano,
Pestalozzi genial, pintado a
piche!
Major, fez da cor preta a cor
reúna.
Na vasta escala de ornitologia,
Se águia não é, também não é
graúna.
Um amador de pássaros diria:
− Este Hemetério é um pássaro
turuna,
É o virabosta da pedagogia.
É o virabosta da pedagogia.
→ Ao tomar contato com o soneto
emiliano, o professor começou a maldizer Emílio de bar em bar, de café em café. Nosso poeta, que
já fora alvo das críticas de Hemetério outras vezes, fez um novo soneto.
O preto não ensina só gramática.
É, pelo menos, o que o mundo diz.
Mete-se na dinâmica, na estática,
E em muitas coisas mais mete o
nariz...
Dizem que, quando ensina
matemática,
As lições de “mais b”, de “igual
a x”,
Em vez de lousa, com saber e
prática,
Sobre as costas da mão escreve o
giz.
Uma aluna dizia: “Este Hemetério
Do ensino fez um verdadeiro angu,
Com que empanturra todo o
magistério”.
E é um felizardo o príncipe zulu:
Quando manda um parente ao
cemitério,
Usa um luto barato: −fica nu!
→ Na sátira ao Governador do
Amazonas Antônio Bittencourt, ao criticá-lo, propõe-se implicitamente uma
correção:
Esta é mesmo imprevista e
inesperada!
O velho Bittencourt pifões
cozinha!
E do Amazonas descem de enxurrada
Pororocas de cana e laranjinha!
Do Palácio mal desce agora a
escada!
Física e moralmente ele definha
E o que a alma lhe macula é a
“imaculada”;
O que o corpo lhe verga é essa
caninha
Deu-lhe o alambique original mania
Deu-lhe o alambique original mania
E uma loucura a bem dizer
didática;
Fala até de prosódia e ortografia.
De pau d’água governa ele na prática,
De pau d’água governa ele na prática,
Pois mal passa, a qualquer hora
do dia,
Sem ser com “dois dedinhos de gramática”.
Sem ser com “dois dedinhos de gramática”.
*****
Poemas retirados o
trabalho acadêmico de Luciana da Costa Ferreira,
Rio de Janeiro 2014:
“Entre a Colombo e a
Academia:
o intelectual boêmio Emílio de Menezes”.
o intelectual boêmio Emílio de Menezes”.
Emílio Nunes Correia de Menezes nasceu
em Curitiba, Paraná. Jornalista e poeta, foi eleito para a Academia brasileira
de Letras, mas faleceu antes de tomar posse. Escreveu sonetos e poemas
satíricos tão mordazes que o comparavam a Gregório de Mattos. Considerado
boêmio e excêntrico para os padrões da época.
Obras publicadas: Marcha fúnebre
− sonetos – 1892; Poemas da morte −1901; Dies irae − A tragédia de Aquidabã –
1906; Poesias – 1909; Últimas rimas – 1917; Mortalha − Os deuses em ceroulas −
reunião de artigos, org. Mendes Fradique – 1924; Obras reunidas – 1980.
Alto, gordo, ventrudo, com restos
grisalhos de cabeleira romântica, cujas falripas lhe escorriam para a testa, a
dupla papada a cobrir-lhe o colarinho baixo, em pontas, chapelão de abas
largas, Emilio de Menezes, a cabeça baixa, cofiando os bigodes gauleses, os
olhos semicerrados, improvisava epitáfios. Muitos não podem ser aqui
reproduzidos por pertencerem ao gênero fescenino. São talvez os mais engraçados
e, evidentemente, os mais perversos. Comecemos pelo auto-epitáfio, ligeiramente
modificado, pro-pudor:
− Morreu em tal quebradeira,
que não pôde entrar no céu,
pois só levou: cabeleira,
banhas, bigode e o chapéu.
que não pôde entrar no céu,
pois só levou: cabeleira,
banhas, bigode e o chapéu.
A vida boêmia trouxe problemas de
saúde e, por ironia, Emílio morreu magro aos 52 anos, mas não perdeu a piada:
“Estou apenas enganando os vermes, eles esperam mais de cem quilos de banha, e
estou levando ossos duros de roer”.
No leito de morte, em seus momentos derradeiros, Emílio não
sentia mais as pernas:
− Doutor, estou morrendo à prestação...
*****
Bastos Tigre, no dia seguinte ao da morte do querido e
pranteado amigo, escreveu este soneto:
− Poeta amigo, alcançaste a
estância derradeira.
Passaste. E todos nós, vendo-te em teu caixão,
Passaste. E todos nós, vendo-te em teu caixão,
indagamos: − E a Musa? e a Musa galhofeira?
E a satírica? E a séria? E a
triste? Onde é que estão?
Nenhum apareceu à tua cabeceira.
− Mas não os condeneis, pulcro
espírito, não!
Fujiram por te ver da negra cova
à beira,
sem te poder valer, sem te dar
salvação.
E morreste alma boa, alma pura, descansa
Neste − sabes-lo tu − misterioso
lugar
em que o “ Nada” final sobre o
“Tudo” se lança.
E eu me fico a sorrir
tristemente, a pensar,
que é mais “uma do Emílio”... a
animar a esperança
de que vives ainda e que estás a brincar...
de que vives ainda e que estás a brincar...
Soneto 328 Gordo
Emílio de Menezes aproveita
a lenda de seu porte arredondado:
Com brilho, trocadilhos tem
bolado,
e às vezes os limites não
respeita.
De bonde viajando, certa feita,
sentou no mesmo banco, lado a
lado
com outro tipo gordo avantajado,
mas tanto peso o assento não
aceita.
“Primeira vez que vejo”, disse, “um
banco
quebrando, não por falta, por
excesso
de fundos!”, no seu tom jocundo e
franco.
Sem dúvida, o segredo do sucesso
do gordo é não deixar passar em
branco
a chance de gozar seu próprio
sesso...
Glauco Mattoso
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