quinta-feira, 21 de março de 2019

As Cobras e Queromeu, o corrupião corrupto.

Por Luís Fernando Veríssimo
  

Cobras:
− Você não pode parar de pensar em lucro por um minuto, Queromeu?
Queromeu:
− Claro que posso... Me avisa quando passar o minuto.

Queromeu;
− Nós, corruptos, não somos insensíveis ao momento que vive o país. Estamos prontos a vender nossa cota de sacrifício.

Cobras:
− Você não se contenta em lucrar menos, Queromeu?
Queromeu:
− Menos quanto?
Cobras:
− Um pouco.
Queromeu:
− Tanto assim?!

Queromeu:
− É o lucro que estimula o empreendimento.
Cobras:
− Certo, certo... Mas o lucro deve sempre ser honesto.
Queromeu:
− Dogmatismo, não!

Cobras:
− Existem outras coisas na vida além do lucro, Queromeu!
Queromeu:
− Claro que sim, mas nenhuma dá tanto dinheiro.

Queromeu:
− Sem lucro, não existiria capitalismo no Brasil.
Cobras:
− E com lucro razoável?
Queromeu:
− Humm... é uma ideia nova...

Cobras:
− Queromeu, como fazer para que os políticos cumpram seu dever com transparência?
Queromeu:
− Talvez dando algum por fora.


Queromeu:
− Para mim dinheiro é apenas um meio para conseguir o que eu realmente gosto.
Cobras:
− O quê?
Queromeu:
− Mais dinheiro.

Cobras:
− Como é a festa de Natal no Clube dos Corruptos?
Queromeu:
− É linda. Nos reunimos em volta da árvore e trocamos deputados.

Queromeu:
− Nossa filosofia é a seguinte... Se todo mundo rouba no Brasil, por que corrupto não pode roubar?

Cobras:
− Queromeu, que conselho você daria ao corrupto que está começando?
Queromeu:
− Lembrem-se: “A Justiça tarda... Portanto aproveitem!”

Queromeu:
− A lentidão da justiça brasileira desestimula os corruptos.
Cobras:
− Como?
Queromeu:
− Não existe o desafio!

Cobras:
− O lucro excessivo é imoral, antiético e espoliativo, Queromeu.
Queromeu:
− Concordo. O que não quer dizer que não tenha seus defeitos.

Queromeu:
− Alô!
Cobras:
− É o corrupião corrupto! E os casos de corrupção pegos no gravador, Queromeu?
Queromeu:
− Uma vergonha! Não se tem mais privacidade!

Cobras:
− Você acha que o gravador é que deve ser coibido, e não a corrupção, Queromeu?
Queromeu:
− Correto. É uma questão de prioridade. A corrupção existe há anos e o gravador é uma coisa relativamente recente.

Cobras:
− Queromeu, como o Clube dos Corruptos trata um membro que dá sinais de honestidade?
Queromeu:
− Fazemos uma advertência... E aproveitamos para cobrar as mensalidades atrasadas.

Cobras:
− Queromeu, é raro um corrupto deixar de ser corrupto?
Queromeu:
− Não. Muitos se regeneram... Por um preço, claro.

Cobras:
− Queromeu, como a Comissão de Orçamento da Câmara, em Brasília, é vista no Clube dos Corruptos?
Queromeu:
− Como Sede Campestre.

Cobras:
− Aí vem um brasileiro honesto. Queromeu, o corrupião corrupto.
Queromeu:
− Roubo, sim.
Cobras:
− Pelo menos você não mente.
Queromeu:
− Exato. Só sob juramento, claro.

Cobras:
− Queromeu, você rouba... mas assume.
Queromeu:
− Não, não, quem assume é outro. Eu financio a campanha.

Cobras:
− Coisas como moral e ética, pra você não interessam, Queromeu?
Queromeu:
− Bem... Depende do preço.

Cobras;
− Queromeu, por que vocês, corruptos, aparecem tanto e os corruptores não?
Queromeu:
− Sei lá. Acho que somos naturalmente mais expansivos.

Cobras:
− Queromeu, as empreiteiras estão acima do bem e do mal?
Queromeu:
− Estão por trás.


(Do livro “As Cobras”, de Luís Fernando Veríssimo, L&PM)


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