Por Luís Fernando Veríssimo
Cobras:
− Você não pode parar de pensar em lucro por um minuto,
Queromeu?
Queromeu:
− Claro que posso... Me avisa quando passar o minuto.
Queromeu;
− Nós, corruptos, não somos
insensíveis ao momento que vive o país. Estamos prontos a vender nossa cota de
sacrifício.
Cobras:
− Você não se contenta em lucrar
menos, Queromeu?
Queromeu:
− Menos quanto?
Cobras:
− Um pouco.
Queromeu:
− Tanto assim?!
Queromeu:
− É o lucro que estimula o
empreendimento.
Cobras:
− Certo, certo... Mas o lucro
deve sempre ser honesto.
Queromeu:
− Dogmatismo, não!
Cobras:
− Existem outras coisas na vida
além do lucro, Queromeu!
Queromeu:
− Claro que sim, mas nenhuma dá
tanto dinheiro.
Queromeu:
− Sem lucro, não existiria
capitalismo no Brasil.
Cobras:
− E com lucro razoável?
Queromeu:
− Humm... é uma ideia nova...
Cobras:
− Queromeu, como fazer para que os políticos cumpram seu dever com transparência?
Queromeu:
− Talvez dando algum por fora.
Queromeu:
− Para mim dinheiro é apenas um
meio para conseguir o que eu realmente gosto.
Cobras:
− O quê?
Queromeu:
− Mais dinheiro.
Cobras:
− Como é a festa de Natal no
Clube dos Corruptos?
Queromeu:
− É linda. Nos reunimos em volta
da árvore e trocamos deputados.
Queromeu:
− Nossa filosofia é a seguinte...
Se todo mundo rouba no Brasil, por que corrupto não pode roubar?
Cobras:
− Queromeu, que conselho você
daria ao corrupto que está começando?
Queromeu:
− Lembrem-se: “A Justiça tarda...
Portanto aproveitem!”
Queromeu:
− A lentidão da justiça
brasileira desestimula os corruptos.
Cobras:
− Como?
Queromeu:
− Não existe o desafio!
Cobras:
− O lucro excessivo é imoral,
antiético e espoliativo, Queromeu.
Queromeu:
− Concordo. O que não quer dizer
que não tenha seus defeitos.
Queromeu:
− Alô!
Cobras:
− É o corrupião corrupto! E os
casos de corrupção pegos no gravador, Queromeu?
Queromeu:
− Uma vergonha! Não se tem mais
privacidade!
Cobras:
− Você acha que o gravador é que
deve ser coibido, e não a corrupção, Queromeu?
Queromeu:
− Correto. É uma questão de
prioridade. A corrupção existe há anos e o gravador é uma coisa relativamente
recente.
Cobras:
− Queromeu, como o Clube dos
Corruptos trata um membro que dá sinais de honestidade?
Queromeu:
− Fazemos uma advertência... E
aproveitamos para cobrar as mensalidades atrasadas.
Cobras:
− Queromeu, é raro um corrupto
deixar de ser corrupto?
Queromeu:
− Não. Muitos se regeneram... Por
um preço, claro.
Cobras:
− Queromeu, como a Comissão de
Orçamento da Câmara, em Brasília, é vista no Clube dos Corruptos?
Queromeu:
− Como Sede Campestre.
Cobras:
− Aí vem um brasileiro honesto.
Queromeu, o corrupião corrupto.
Queromeu:
− Roubo, sim.
Cobras:
− Pelo menos você não mente.
Queromeu:
− Exato. Só sob juramento, claro.
Cobras:
− Queromeu, você rouba... mas
assume.
Queromeu:
− Não, não, quem assume é outro.
Eu financio a campanha.
Cobras:
− Coisas como moral e ética, pra
você não interessam, Queromeu?
Queromeu:
− Bem... Depende do preço.
Cobras;
− Queromeu, por que vocês,
corruptos, aparecem tanto e os corruptores não?
Queromeu:
− Sei lá. Acho que somos
naturalmente mais expansivos.
Cobras:
− Queromeu, as empreiteiras estão
acima do bem e do mal?
Queromeu:
− Estão por trás.
(Do livro “As
Cobras”, de Luís Fernando Veríssimo, L&PM)
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