sexta-feira, 29 de março de 2019

Carisma

Luis Fernando Veríssimo


O Líder Nato descobriu que tinha carisma quando, certo dia, no jardim da infância, notou que todos os outros copiavam a sua pintura de dedão. Na adolescência, queixou-se aos pais:

− Eu não quero ser um líder!

E os pais:

− Está bem, meu filho. Você é quem manda.

O Líder Nato não pode sair na rua que logo uma multidão se forma às suas costas e o segue por toda parte. Quando o Líder Nato levanta o braço para chamar um táxi, todo o trânsito para e fica aguardando suas ordens. O Líder Nato precisa andar de táxi, e escondido, porque na direção do seu carro criava engarrafamentos terríveis. Era seguido em cortejos intermináveis. Ônibus desviavam das suas rotas para segui-lo. O chefe do trânsito pediu a sua colaboração. Será que ele podia andar de táxi? De ônibus não, porque era só o Líder nato entrar num ônibus e o ônibus lotava. E havia briga na fila entre os que não conseguiam entrar. De táxi, por favor.

− Está bem, a partir de amanhã vou andar de táxi.

− Eu vou junto? – exclamou o chefe do trânsito, antes que pudesse se controlar.

Quem pode explicar o que é carisma? Quando o Líder Nato chega em casa, seus familiares vão correndo ajudar a fechar a porta, se não, a multidão entra atrás. Sempre passam uns dois ou três que seguem nos calcanhares do Líder Nato por dentro da casa, até no banheiro, até na cama, e só saem no dia seguinte. Atrás do Líder Nato. O Líder nato tenta ignorá-los, mas é difícil. Para onde quer que se vire, vê uma cara ansiosa sorridente, pronta a segui-lo até a morte.

Uma vez, o Líder Nato perdeu a paciência e começou a bater num baixinho que o seguia dia e noite. Quando viu, estava todo mundo batendo no baixinho. Outra vez o Líder Nato inventou de ir a Buenos Aires e aí o Brasil invadiu a Argentina.

O Líder Nato foi o mais votado nas últimas eleições, embora não fosse candidato a nada. Foi pedir proteção na Polícia Militar e o comandante mandou formar a tropa para a sua inspeção e insistiu tanto em lhe passar o comando que o Líder Nato desistiu e foi para casa. Correndo, pois toda a corporação vinha atrás. A sua lua-de-mel foi um acontecimento. O enfim sós... foi dito em coro pelos seus seguidores que lotavam o quarto do hotel. Uma multidão impaciente se aglomerava no corredor. A noite de núpcias do Líder Nato teve torcida organizada.

Volta e meia, o Líder nato é apresentado a estranhos homenzinhos verdes.

− Ele pediu para falar com o nosso líder...

O Líder Nato não sabe o que fazer. Se vai a um restaurante, o restaurante enche em seguida; os garçons não conseguem chegar até as mesas e o Líder Nato tem que sair. Com todo mundo atrás. Se vai a um cinema, a mesma coisa. Se fica em casa é obrigado, pelo clamor da multidão, a aparecer na sacada e lhes dirigir algumas palavras.

− Eu não quero ser um líder!

Vivas. Aplausos. Um verdadeiro líder deve ser modesto. Alguém grita:

− É só dar a ordem que nós estamos prontos!

− A ordem é: vão dormir e me deixem em paz!

Risadas. Aplausos. Um verdadeiro líder tem senso de humor.

O Líder Nato resolveu se queixar ao Papa. Ao Governo, não, pois seria constrangedora a deferência do Presidente diante do Líder Nato e na frente do pessoal do palácio. Voou para Roma. Não foi difícil conseguir uma audiência com o Papa. O carisma abria todas as portas. Frente a frente com o sumo pontífice, o Líder Nato finalmente preparou-se para desabafar.

− Vossa Eminência, eu... Por favor, Eminência, não fique de joelhos. Eminência, não precisa beijar o meu anel!


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