Luis Fernando
Veríssimo
O Líder Nato descobriu que tinha
carisma quando, certo dia, no jardim da infância, notou que todos os outros
copiavam a sua pintura de dedão. Na adolescência, queixou-se aos pais:
− Eu não
quero ser um líder!
E os pais:
− Está bem,
meu filho. Você é quem manda.
O Líder Nato não pode sair na rua que
logo uma multidão se forma às suas costas e o segue por toda parte. Quando o
Líder Nato levanta o braço para chamar um táxi, todo o trânsito para e fica
aguardando suas ordens. O Líder Nato precisa andar de táxi, e escondido, porque
na direção do seu carro criava engarrafamentos
terríveis. Era seguido em cortejos intermináveis. Ônibus desviavam das suas
rotas para segui-lo. O chefe do trânsito pediu a sua colaboração. Será que ele
podia andar de táxi? De ônibus não, porque era só o Líder nato entrar num
ônibus e o ônibus lotava. E havia briga na fila entre os que não conseguiam
entrar. De táxi, por favor.
− Está bem,
a partir de amanhã vou andar de táxi.
− Eu vou
junto? – exclamou o chefe do trânsito, antes que pudesse se controlar.
Quem pode explicar o que é carisma?
Quando o Líder Nato chega em casa, seus familiares vão correndo ajudar a fechar
a porta, se não, a multidão entra atrás. Sempre passam uns dois ou três que
seguem nos calcanhares do Líder Nato por dentro da casa, até no banheiro, até
na cama, e só saem no dia seguinte. Atrás do Líder Nato. O Líder nato tenta
ignorá-los, mas é difícil. Para onde quer que se vire, vê uma cara ansiosa
sorridente, pronta a segui-lo até a morte.
Uma vez, o Líder Nato perdeu a
paciência e começou a bater num baixinho que o seguia dia e noite. Quando viu,
estava todo mundo batendo no baixinho. Outra vez o Líder Nato inventou de ir a
Buenos Aires e aí o Brasil invadiu a Argentina.
O Líder Nato foi o mais votado nas
últimas eleições, embora não fosse candidato a nada. Foi pedir proteção na
Polícia Militar e o comandante mandou formar a tropa para a sua inspeção e
insistiu tanto em lhe passar o comando que o Líder Nato desistiu e foi para
casa. Correndo, pois toda a corporação vinha atrás. A sua lua-de-mel foi um acontecimento. O enfim sós... foi dito em coro pelos seus seguidores que lotavam o
quarto do hotel. Uma multidão impaciente se aglomerava no corredor. A noite de
núpcias do Líder Nato teve torcida organizada.
Volta e
meia, o Líder nato é apresentado a estranhos homenzinhos verdes.
− Ele pediu
para falar com o nosso líder...
O Líder Nato não sabe o que fazer. Se
vai a um restaurante, o restaurante enche em seguida; os garçons não conseguem
chegar até as mesas e o Líder Nato tem que sair. Com todo mundo atrás. Se vai a
um cinema, a mesma coisa. Se fica em casa é obrigado, pelo clamor da multidão,
a aparecer na sacada e lhes dirigir algumas palavras.
− Eu não
quero ser um líder!
Vivas.
Aplausos. Um verdadeiro líder deve ser modesto. Alguém grita:
− É só dar a
ordem que nós estamos prontos!
− A ordem é:
vão dormir e me deixem em paz!
Risadas.
Aplausos. Um verdadeiro líder tem senso de humor.
O Líder Nato resolveu se queixar ao
Papa. Ao Governo, não, pois seria constrangedora a deferência do Presidente
diante do Líder Nato e na frente do pessoal do palácio. Voou para Roma. Não foi
difícil conseguir uma audiência com o Papa. O carisma abria todas as portas.
Frente a frente com o sumo pontífice, o Líder Nato finalmente preparou-se para
desabafar.
− Vossa Eminência, eu... Por favor,
Eminência, não fique de joelhos. Eminência, não precisa beijar o meu anel!
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