Millôr Fernandes
(Num mundo vastamente analisado e liberado,
um homem e uma mulher se encontram)
Ela (Abrindo a porta) – Oh, Bernardo, que surpresa!
Ele – Posso entrar?
Ela – Ora, precisa perguntar? Que bom te ver.
Ele (Sentando) – Não vou tomar muito teu tempo. Era só uma
coisa que queria te dizer. Tinha que ser hoje. Mas é coisa breve.
Ela – Foi ótimo você ter vindo. Eu também queria muito
falar com você. Não tenho tido jeito, modo, oportunidade.
Ele – Ah, é? Então fala.
Ela – Não, Bernardo, fala você. Você, afinal, veio até aqui
pra isso.
Ele – Mas posso escutar também, Luísa. Que foi?
Ela – Não sei como dizer. Sei que o que vou falar vai te
magoar profundamente.
Ele – Não precisa arranjar palavras com que se explicar,
Luísa. Você quer romper comigo. Não é isso?
Ela – Você já tinha percebido? Ah, meu pobre Bernardo, juro
que não queria te fazer sofrer.
Ele – É estranho o mundo, não é mesmo? Estranha a vida! Eu
vim aqui exatamente pra romper com você...
Ela – Ah, meu querido. Não precisava dizer isso. Eu te
compreendo. Eu te conheço. Ninguém conhece você melhor do que eu. É natural que
você esteja querendo me proteger de um golpe como esse – é sempre profundamente
doloroso ser rejeitado, por mais que você esteja cansado do outro - , mas, pelo
amor de Deus, não finja que está tomando a iniciativa! Por mais que isso fira
teu orgulho masculino, o seu machismo natural, a verdade é que sou eu quem está
rompendo com você.
Ele – Mas que isso, Luísa? Que bobagem. Uma mulher tão
inteligente, tão madura. Eu acho que esse negócio de Liberação aí envenenou
vocês todas. Estão todas sentindo uma terrível necessidade de se afirmar, acima
do homem, como super-homens. Bobagem!
Ela – Que é isso, Bernardo? Não é nada disso! É uma questão
de colocar as coisas em seu lugar. Uma questão pura e simples de prioridades.
Fui quem...
Ele – Luísa, você sabe que quem abriu a questão fui eu!
Você podia estar querendo romper comigo, mas quem rompeu fui eu. Embora isso
não tenha a menor importância, está visto.
Ela – Evidente que não tem a menor importância. É só uma
questão de deixar a verdade esclarecida. Sou capaz de repetir as minhas
palavras: “Foi ótimo você ter vindo – sei que o que vou te falar vai te magoar
profundamente”.
Ele – É verdade. Também me lembro muito bem. Mas por que é
que você disse isso? Porque eu, antes, disse que precisava muito falar com
você, como, aliás, está demonstrado pelo simples fato de eu vir aqui.
Ela – Mas o fato de você vir aqui e querer falar comigo
poderia exprimir até uma vontade de reconciliação. Ah, estamos nos envolvendo
numa conversa extremamente infantil, Bernardo, pelo simples fato de que você
está magoado.
Ele - Ah, Luísa, pelo amor de
Deus! Como é que eu podia me magoar com uma coisa que era exatamente o que eu
queria? Eu vim romper com você. Fui eu quem usou primeiro a palavras ROMPER.
Ela – Olha, Bernardo, quer saber de uma coisa: já não me
interessa mais saber se você ficou ou não ficou magoado. O que me importa agora
é deixar claro que fui eu quem rompeu com você. A palavra romper foi minha.
Ele – Mas que coisa, Luísa! Rompeu coisa nenhuma. Fui eu
que rompeu! Fui eu!
Ela – Você, Bernardo? Fui... Ah, querido, estamos sendo
inteiramente ridículos! Que discussão mais idiota! (Ri, inocente) Vamos parar
com isso. Idiota! Idiota!
Ele – É mesmo. Você tem toda razão. Não tem o menor
sentido. (Longa pausa)
Ela – Olha, Bernardo, você vai me perdoar, mas tenho que
sair agora. Se você quiser, nos encontramos amanhã de novo pra conversar tudo
com mais calma.
Ele – Está bem, Luísa. Você é quem manda. Eu te telefono
amanhã de manhã e combinamos alguma coisa. Tchau. Até amanhã.
Ela – Até amanhã. (Beijinhos. Se despedem na porta)
Ele – Coitada, vai ficar esperando esse telefonema a vida
inteira.
Ela – Idiota! Amanhã, quando telefonar, mando dizer que não
estou.
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