Por Nemê Kazan,
poeta libanês
contemporâneo
(Tradução de
Ghiaroni)
Vi a gota cair piedosa do ar,
cair pequenina sobre o chão
sedento,
para depois ser rio turbulento,
Indo morrer nas convulsões do
mar.
Mas ficou tão saudosa a terra
viúva,
ardendo em sede, suspirando em
mágoa,
que o mar lhe devolveu a gota dʼágua
feita de novo em lágrima de
chuva.
Assim se impõe uma vontade
ignota:
o rio rugidor nasce da gota,
para que nasça o mar de seus
caudais,
e do mar nascem nuvens
inconstantes
que caem de novo em gotas
fecundantes
em efêmeras gotas imortais.
Eu vi a flor vaidosa e a brisa
amena
bebendo o orvalho da manhã
serena,
num idílio sem fim de brisa e
flor.
Mas soprou o tufão depois da
aragem
despetalando a rosa na passagem,
esmagando-a um sopro arrasador.
Porém a terra, a mãe que nunca
enjeita,
colhe no seio a triste flor
desfeita
e clama pelas águas da amplidão.
Assim renasce a flor, para que
um dia
novamente a sacuda a ventania,
lançando as suas pétalas no
chão.
Alegria que nasce de um pavor!
Visão de paz que nasce de uma
guerra!
Quando ventou, a flor desfez-se
em terra,
quando choveu, a terra fez-se em
flor!
Vi homens juntos a um berço de
criança!
Um murmurava, debulhando um
terço,
outro sorria, cheio de
esperança,
− eram crianças que não tinham
berço.
Vi homens diante de uma catacumba,
estava cada qual mais triste e
absorto;
choravam todos em redor de um
morto,
e eram mortos que não tinham
tumba.
Quantas vezes nasceram e
morreram,
indo cegos do berço à sepultura!
Pois morreram assim como
nasceram,
na mesma e eterna incompreensão
obscura!
Do Mundo para o Além se
dissolveram,
cegos a tudo o que aproxima os
dois.
Portanto, não viveram nem
morreram,
porque jamais seus olhos
perceberam
o mistério do Antes e Depois!
Sou gota e caio; sou torrente e
corro.
Sou berço e túmulo; em mim nasço
e morro.
Das minhas trevas surge o meu
clarão;
do meu hoje, o amanhã sereno e
forte.
Ao nascer, ouço ecos de outra
morte,
e ao morrer, ecos de outra
geração.
Eu não conheço ausência nem
degredo.
Se, um dia, eu tiver medo, será
medo
de mim mesmo, do enigma que sou.
E, se eu fugir de um pavor
terrível,
será de mim... Mas como? É
impossível,
porque sou tudo e em toda parte
estou!
Eu sou o Mundo! Quando vier meu
fim,
como nasci, eu morrerei em mim!
Do livro “As mais
Belas Páginas da Literatura Árabe”,
de Mansour Challita*
↓
*Mansour Yousef Challita foi um escritor,
tradutor
e diplomata
libanês.
Nascido na Colômbia, Challita passou a infância
e boa parte da sua juventude no Líbano, onde estudou filosofia
e letras.
Cursou direito
na França,
e jornalismo
na América do Norte. Desde os anos 50,
vivia no Brasil.
É o principal tradutor
da obra de Gibran Khalil Gibran. Traduziu também o Alcorão,
Livro Sagrado do Islã (ISBN
9788577991686), cuja primeira edição ocorreu em 1970. Faleceu em
12/07/2013 na cidade do Rio de Janeiro, onde foi sepultado.
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