Dr. Acylino
Na zona sul de Porto Alegre, o Dr.
Acylino Reguera de Azevedo foi médico bem popular, lá trabalhando por muitos
anos. Radicou-se desde o início de sua vida profissional naquele setor da
cidade, fazendo uma medicina geral de bom padrão, com larga e fiel clientela.
Formado nos anos 30, cursou a Faculdade de Medicina nos ferozes tempos da
ditadura Vargas, conhecida como Estado Novo.
Tradicionalmente, a Faculdade de
Medicina de Porto Alegre era conhecida pela fervilhante atuação política, com
seus alunos liderando e participando das lutas progressistas da época. Como sói
acontecer, tais manifestações estudantis eram, em geral, tratadas pelas
autoridades (e ainda mais nas épocas de ditadura) com boa dose de repressão,
não raro chegando às “carícias” fornecidas pelos cassetetes da Brigada Militar.
Pois foi nesses anos, e nesse clima,
que o Dr. Acylino fez sua formação, tendo boa dose de participação política.
Nessa época, ficou famosa uma grande
passeata liderada pelos estudantes da Faculdade de Medicina que se seguiu seu
rumo pela Rua da Praia, terminando por encontrar-se com um enorme contingente
da Brigada Militar no Largo dos Medeiros. Após tratativas malsucedidas com os
estudantes, os policiais militares acabaram por “baixar o pau” por ordem de um
tenente, que vamos tratar aqui pelo nome de Andrade, comandante daquela tropa.
Pois o Dr. Acylino estava presente na manifestação e foi, também, agraciado com
as referidas “carícias”.
Muitos anos mais tarde, Dr. Acylino foi chamado a uma residência na zona
sul de Porto Alegre para atender um certo coronel que estava passando mal, com
forte dor no peito. Lá chegando, deparou-se com o Coronel Andrade, que logo viu
tratar-se da pessoa que comandara aquela tropa da Brigada Militar muitos anos
antes. O quadro clínico era inequívoco. Dor retroesternal forte, com sensação
de morte iminente, que se iniciara após um esforço físico do coronel e se
irradiava para o punho esquerdo, seguindo-se intensa falta de ar. O homem
estava com as mucosas arroxeadas, sentado na cama apoiando-se nos braços, com
os ombros elevados e gemendo de dor. O diagnóstico inicial foi de infarto agudo
do miocárdio com edema pulmonar. Incontinente, o Dr. Acylino tirou, de sua
maleta de urgência, morfina, aminofilina, digital, garroteou os membros e pediu
rapidamente que chamasse uma ambulância do SAMDU*. Com toda a urgência, levou o
coronel ao hospital (na época poucos hospitais tinham UTI) e acompanhou-o até
que ficasse fora de perigo.
Alguns dias após, estando o quadro já
estabilizado, ao dar alta do hospital, o Dr. Acylino teve uma conversa com o
paciente:
− Coronel, agora o perigo já passou, o
senhor está bem... Não abandone seus medicamentos sem ordem médica e faça suas
revisões clínicas periodicamente; não negligencie sua saúde. Por último, o
senhor lembra uma passeata nos anos 30, em que a Brigada bateu pra valer nos
estudantes de Medicina? Eu lembro do senhor comandando aquela tropa. Eu estava
lá, coronel, e apanhei bastante. Por isso, a partir de agora, procure outro
médico. Eu não o atendo mais...
(Do livro “Clínica do
Bom Humor”, do Dr. Marcos Rovinski)
*SAMDU: Serviço de Assistência Médica Domiciliar de Urgência,
o SAMU da época.
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