sexta-feira, 7 de junho de 2019

Minha tropa*

Paulo Mendes

*Releitura de “Pingos” de Guilherme Schultz Filho.


1
Minha vida é uma tropa
Que reponto com cuidado
Atento e bem concentrado
Vou dando-lhe todo o zelo
Sem nunca faltar sinuelo
Água boa e sombra ao gado.

2
Desde piá eu já pensava
Em ser tropeiro de lei
Com aquele jeito de rei
Sem nunca perder o entono
No verão, inverno e outono
Com esta ideia me criei.

3
Naquele tempo tropeei
Um terneiro de importância
Que visto, assim, na distância
Parece até que sorria
Seu nome era “Fantasia”
O mais bonito da estância.

4
Depois, mocito, repontei
Um tourinho que virou lenda
Era o florão para as prendas
Que o chamavam “Sedutor”
Mas o bicho galanteador
Perdeu-se naquelas rendas.



5
Já taludo eu escorei
Um touro de boa idade
Dele tenho até saudade
Ao lembrar desse virtuoso
Manoteador e fogoso
Chamava-se “Liberdade”.

6
Depois, homem responsável,
Que não queria lambança
Tropeava de toda trança
E repontei um boi cebruno
Tranquilo um tipo reiúno
Que se chamava “Confiança”.

7
Hoje a tropa que reponto
Nesta parte da existência
Dei-lhe o nome “Experiência”
Nunca levo gado ao trote
Pois cuido bem do meu lote
No rumo desta querência.

8
Então eu sigo tropeando
Ao tranco sem escarcéu
E até tapeio o chapéu
No velho estilo gaúcho
E se ganhar esse luxo
Entro tropeando no céu.



Glossário:

Repontar: tocar os animais em direção a um lugar determinado.

Sinuelo: gado manso habituado ao curral, e que se emprega nos trabalhos como guia de animais xucros.

Piá: guri menor de idade que trabalha como peão de estância. O termo é extensivo a qualquer guri. É um tratamento carinhos que se dá às crianças.

Tropeiro: condutor de tropas. O que compra e vende tropas de gado, de mulas e de cargueiros.

Entono: altivez, majestade, orgulho vaidade.

Estância: fazenda destinada à criação de gado vacum ou cavalar; grande extensão de terra onde há a casa do proprietário, rodeada de galpões, currais, mangueiras, animais etc.

Prenda: joia ou objeto valioso que se dá de presente a alguém. Moça gaúcha.

Taludo: crescido, desenvolvido.

Manoteador: diz do touro que dá pancadas com uma das patas dianteiras ou com as duas, quando perseguido ou tolhido de movimentos.

Lambança: desordem em consequência de muito falatório.

Cebruno: designativo da pelagem de um boi de cor de barro escuro. É um adjetivo que provém do castelhano.

Reiúno: animal pertencente ao estado, ou que não tem dono.

Trote: andadura natural das cavalgaduras, entre o passo ordinário e o galope, a qual se caracteriza pelas batidas regularmente espaçadas.

Querência: local de nascimento ou residência de uma pessoa. O mesmo que pago.
  
(Do “Dicionário Gaúcho”, de Alberto Juvenal de Oliveira)


A cena do gaúcho assando o churrasco no campo com os amigos.

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