que você precisa conhecer
Por Maria Fernanda
Moraes
Quando Vinícius de Moraes
escreveu que “todo poeta só é grande se sofrer” (do poema Eu não Existo sem
Você, de 1957), mal sabia ele que, anos antes, em 16 de setembro de 1914, já
havia nascido um compositor gaúcho que cantaria melhor que ninguém seus
sofrimentos amorosos. Não é à toa que Lupicínio Rodrigues ficou conhecido como
“o rei da dor de cotovelo”.
Os amores desfeitos e as dores de
cotovelo sempre estiveram presentes em seus sambas-canção, conhecidos também
como “samba triste” ou “samba de meio do ano” (pois eram lançados e faziam
sucesso fora da época do Carnaval). Invariavelmente, as letras ligavam a sua
desgraça sentimental à mulher e foram interpretados pelos maiores cantores
populares do país, como Herivelto Martins, Orlando Silva, Caetano Veloso, Elis
Regina e muitos outros.
Autobiográficas, suas músicas
acompanhavam as fases de sua vida. Ainda jovem, um episódio amoroso
influenciaria seu estilo para o resto da vida: em 1933, depois de entrar para o
exército, Lupicínio foi transferido para a cidade gaúcha de Santa Maria. Foi lá
que conheceu Iná, sua primeira grande paixão e a musa que inspiraria muitas
composições. Entretanto, a vida boêmia do compositor fez com que Iná desistisse
do noivado, depois de cinco anos de relacionamento.
No livro “Foi Assim” (Editora
L&PM), Lupicínio Rodrigues Filho conta que o pai não tocava instrumentos,
apenas fazia sons com uma caixa de fósforos. E na hora de compor tinha um
método peculiar: assobiava. Lupicínio costumava dizer que não era músico ou
compositor, assumia-se apenas como “um boêmio profissional”.
Lupicínio morreu aos 59 anos, com
problemas no coração. Com cerca de 150 canções, muitas delas ficaram famosas
pelas vozes de cantores prestigiados. Acompanhe algumas:
01. “SE ACASO VOCÊ CHEGASSE”
→ Foi com esse samba, em 1938,
que Lupicínio alcançou seu primeiro grande sucesso, em parceria com Felisberto
Martins e gravado na RCA Victor por Ciro Monteiro. Em 1957, foi regravado por
Elza Soares e se transformou numa das mais importantes músicas do repertório
dela (a música está no disco Se Acaso Você Chegasse, que faz parte do box Negra).
A letra do samba refere-se ao
episódio em que
Lupicínio conta a Heitor Barros que estava tendo um caso com
uma ex-namorada do amigo, sugerindo que mantivessem a amizade apesar disso.
02. “NERVOS DE AÇO”
→ Em 1947, Francisco Alves fez a
primeira gravação desse samba-canção, que se tornaria um clássico da música
popular brasileira. Mas foi na voz de Paulinho da Viola que a música arrebatou
as gerações mais recentes (pode ser encontrada no disco Argumento).
Essa é uma das canções inspiradas
por Iná, a noiva que desistiu do casamento com Lupicínio por conta da vida
boêmia dele. Os versos de “Nervos de Aço” nasceram quando Lupicínio viu a
ex-noiva casada com outro homem.
03. “VINGANÇA”
→ Em 1951, a cantora Linda
Batista gravou dois sambas de Lupicínio na RCA Victor: “Dona divergência”, com
Felisberto Martins, e “Vingança”. Este último é um dos grandes exemplos de suas
canções ao estilo dor de cotovelo e rendeu ao compositor grande projeção.
Posteriormente, a música ficou famosa também na voz de Maria Bethânia (no disco
Memória da Pele).
Na história da letra, Mercedes
(também conhecida como Carioca), então namorada de Lupicínio, tenta seduzir um
empregado dele, que conta ao patrão o caso. Ele rompe com ela e, logo em
seguida, no carnaval, os amigos dele a veem num bar e, sem saberem do
rompimento, perguntam por Lupicínio. A moça se põe a chorar copiosamente, o que
o inspira a escrever a música logo após saber do episódio.
04. “NUNCA”
→ Depois da letra de “Vingança”,
outro episódio com a Carioca também virou canção. Trata-se de uma resposta
negativa às tentativas da moça de reconquistar Lupicínio. Em certo momento, o
compositor diz que “nem se Deus mandar” ele faria as pazes com ela. Segundo
dizem, a moça havia levado uma foto dele para um pai de santo fazer um
trabalho.
Na década de 1980,
a canção voltou a ganhar notoriedade com a regravação de
Zizi Possi.
05. “ESSES MOÇOS (POBRES MOÇOS)”
→ Outro grande exemplo de uma
bela dor de cotovelo, mas desta vez destinada a um amigo. A canção ficou famosa
na voz de Francisco Alves, e Lupicínio Rodrigues a escreveu ao saber que seu
grande amigo e parceiro Hamilton Chaves iria se casar. Segundo contam,
Lupicínio achava o companheiro ainda moço para se casar – ele estava com 22
anos. O conselho, entretanto, não foi ouvido, mas se tornou uma canção popular
na época.
06. “FELICIDADE”
→Essa é uma das canções mais
populares de Lupicínio: “Felicidade foi-se embora e a saudade no meu peito
ainda mora”. Em 1947, o Quarteto Quitandinha foi o primeiro a gravá-la. Depois,
na década de 1970, virou hit com a regravação de Caetano Veloso.
Segundo o diretor e dramaturgo
Artur José Pinto, que estudou a vida de Lupicínio para fazer Lupi, o Musical,
há um episódio em que
Lupicínio encontrou Caetano num bar em Porto Alegre depois
de um show na cidade. Caetano ainda estava com a maquiagem do show e causava
estranheza nas pessoas ao redor. Lupicínio então o acolheu e passaram a
madrugada toda conversando.
07. “CADEIRA VAZIA”
→ Imortalizada na voz de Elis
Regina, a letra dessa canção fala da história de uma moça que saiu de Porto
Alegre para ir atrás de outras oportunidades no Rio de Janeiro. Como as coisas
não andaram bem, ela precisou retornar ao Sul. Na volta, o ex-namorado
Lupicínio a acolheu. Mas o sofrimento da separação foi tanto que ele não
conseguiu mais amá-la como antes.
08. “ZÉ PONTE”
→ Orlando Silva foi um dos grandes
intérpretes de Lupicínio. Em 1947, o compositor deu a Orlando duas canções:
“Brasa” e “Zé Ponte”.
Na letra de “Zé Ponte”, Zé é um
alter ego do compositor, e a cabocla presente na letra é Iná. A canção é a
primeira que ele compôs para ela, ainda antes de namorarem e antes da
desilusão.
09. “EXEMPLO”
→ É uma das muitas canções de
Lupicínio que ganharam vida na voz de Jamelão, grande parceiro e intérprete das
dores do compositor gaúcho.
A música foi feita para comemorar
os dez anos de casamento de Lupicínio e dedicada à sua mulher Cerenita. A
esposa e o filho também aparecem em outra música, “Nossa Senhora das Graças”.
10. “HINO OFICIAL DO GRÊMIO”
“Até a pé nós iremos, para o que
der e vier. Mas o certo é que nós estaremos com o Grêmio, onde o Grêmio
estiver”.
→ Apaixonado por futebol e
torcedor fanático do Grêmio, é de Lupicínio a letra e melodia do hino oficial
do clube, composto em 1953 em um guardanapo de papel num restaurante, segundo
contam. A história é que ele e mais alguns amigos aguardavam o horário do bonde
para ir até o estádio assistir ao jogo, mas souberam que o serviço estava em greve. Tiveram ,
então, que seguir a pé até o estádio, e lá, vendo seu time jogar, o compositor
teve a ideia da letra. A canção venceu um concurso em comemoração ao cinquentenário
do time e depois se tornou o hino oficial.
(Do Blog da Livraria
Saraiva)
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