terça-feira, 5 de novembro de 2019

A doença de Machado de Assis*

Moacyr Scliar


Machado de Assis em foto de Marc Ferrez

Machado de Assis, cujo centenário foi lembrado no dia 29 de setembro de 2008, não teve vida fácil. Mulato, pobre, (gago), descendente de escravos, órfão de mãe, ainda teve de enfrentar uma doença que para ele foi uma carga muito pesada. Machado sofria de epilepsia. A doença provavelmente teve início na infância; o escritor aludiu a “umas coisas esquisitas” que sentira quando menino, mas não esclareceu do que se tratava. Aliás, ele relutava muito em admitir seu problema ainda que suas crises convulsivas tivessem sido testemunhadas por muitas pessoas.

Machado não falava da enfermidade nem mesmo para amigos íntimos e só revelou à esposa, Carolina de Novais, depois do casamento. O embaraço aparece até mesmo em sua literatura. Na primeira edição de Memórias Póstumas de Brás Cubas, ele diz, ao falar do sofrimento de uma personagem cujo amante morre: “Não digo que se carpisse; não digo que se deixasse rolar pelo chão, epiléptica...”. Nas edições posteriores a frase foi substituída por: “Não digo que se carpisse; não digo que se deixasse rolar pelo chão, convulsiva...”. Por causa das convulsões, não raro mordia a língua, coisa que dificultava a fala o que ele atribuía as “aftas”. (*)

Parece que Machado de Assis consultou o famoso doutor Miguel Couto e que tomou brometo, um fraco tranquilizante então usado, que não funcionou, causando inclusive efeitos indesejáveis. Mas Miguel Couto afirmava que a epilepsia se construiu em um desafio para o escritor, um desafio que ele venceu com sua magnífica obra.

(O texto teve suprimido alguns parágrafos que julgamos irrelevantes)

(*) Parece que a causa da morte do escritor foi um câncer na língua, constantemente agredida pelas mordidas, quando de suas convulsões. 


O coche fúnebre, saído da sede da Academia, no Silogeu Brasileiro, após o discurso em que Rui Barbosa se despediu do morto em nome de seus confrades, caminhou lentamente até o Cemitério de São João Batista, acompanhado a pé pela multidão silenciosa. 


Nenhum comentário:

Postar um comentário