quarta-feira, 22 de abril de 2020

Área interna



Morava no terceiro andar. Não havia vizinho, do quarto andar para cima, que não jogasse lixo na sua área. Sua mulher era uma dessas conformadas que só existem duas no mundo, sendo que a outra ninguém viu:

− Deixa isso pra lá, Antônio, pior seria se a gente morasse no térreo.

Antônio não se controlava, ficava uma fera quando via cair cascas de banana, de laranja, restos de comida. Em época de melancia ficava quase louco, tinha vontade de se mudar. A mulher dizia:

− Tenha calma, Antônio, daqui a pouco as melancias acabam e você esquece tudo.

Mas ele não esquecia:

− Acabam as melancias, vêm as jacas, acabam as jacas, vêm os abacates. Já pensou, Marieta? Caroço de abacate é fogo!

Um dia chegou na área, e viu até lata de sardinha. Procurou para ver se tinha alguma sardinha, mas a lata tinha sido raspada. Se queimou. Falou com o síndico. Ele disse que era impossível fiscalizar todos os quarenta e oito apartamentos para ver quem é que atirava as coisas. Pensou em fechar a área com vidro. Mas pediram um dinheirão e, não decidisse dentro de sete dias, ia ter um aumento de trinta por cento. Foi à polícia dar queixa dos vizinhos. O delegado achou muita graça, disse que não podia dar educação aos vizinhos e, se pudesse, daria aos seus, pois ele morava no térreo e era muito pior.
  
Leon Eliachar: do livro “O homem ao zero”, Expressão e Cultura


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