sexta-feira, 3 de abril de 2020

Crônica do Tempo

Rolando Boldrin


Pra mim, o mundo é um relógio, e o dinheiro é a mola que controla os relógios desta vida.

Se o senhor tivé tempo pra ouvir a minha história, eu começo lhe contando que toda a minha vida foi um grande desencontro entre o tempo do relógio e as oportunidades.

Deus Nosso Senhor, que perdoe a minha sinceridade, como um segredo, mas inté hoje não entendi pru que é que pra tudo na minha vida eu sempre cheguei muito tarde... ou muito cedo.

Pra começa, nasci fora do tempo, sou de sete meses e se foi cedo demais pra dar dores e tristezas à minha mãe com essa minha pressa de nasce, foi tarde demais pra dar alegria ao meu pai, coitado, ele morreu antes de me conhece e aí começa o meu rosário com o tempo do relógio.

Já na idade de ir pra escola foi um tormento. Minha mãe, coitada, corria pra lá e pra cá comigo de mão dada e sempre recebendo o mesmo desengano, coitada: não pode, dona, só pro ano, é cedo ainda, ou, então, tarde demais, dona, as matriculas já tão todas fechadas.

Com o tempo, eu fui crescendo. Já mocinho, eu procurava emprego: porta de oficina, serviço diferente, coisa de pequena paga e aquelas palavras do tempo me seguindo, sempre acontecendo comigo como um relógio do destino.

− Olha, moço não tem vaga, se você tivesse sido esperto, agora o quadro de funcionários já tá completo

Eu me lembro que inté pro amor eu me atrasei, quando pra aquela cabocla que eu gostava me declarei. Ela falou pra mim:

− Você chegou tarde demais, já dei meu coração pra outro rapaz.

Mesmo assim, um dia me casei e desse casamento nasceu um menino bonito que só vendo. Foi a única coisa que me chegou na hora certa, porque ele foi a porta aberta pro meu riso, riso que eu já nem sabia mais como era o jeito.

Dei a ele o nome de Vitório. Ia ser meu grande vingador pra me vingá do tempo, pra me vingá das horas dos relógio e inté dos segundo e de tudo me vingá dos donos desse relógio que é o mundo.

Vitório, o meu grande vingador. Vitório foi crescendo como pode, logo já tinha cinco ano e a vida, o tempo. O tempo como um inimigo traidor sempre me espiando. Um dia, Vitório adoentou-se, como acontece com quarqué criança, e eu trabalhava num faz de tudo ao mesmo tempo, pra nenhum remédio lhe fartá, eu tinha esperança.

Num dia só fui camelô, bilheteiro, entregadô de encomenda, jardineiro, tudo e chegava em casa moído e fedorento de suor pra lhe abraçá e lhe beija e o coitadinho, encuído, magrinho, dava dó, tava sofrendo.

Então, o doutô truxe pra vê ele, é home bão atencioso, que logo dispois de examiná, falô assim:

− Corre, vá depressa comprar essa receita, seu filho não tá bão, quem sabe se com isso ele se ajeita. − e chacoalhando a cabeça foi-se embora, quem sabe aconseiando uma promessa. Como eu não tinha dinheiro pro remédio, dei de garra num véio despertadô lá de casa, a única coisa de valor, pensando que podia vendê ele num brechó e saí correndo, bem correndo, mas inté hoje não entendi pru que ouvi uns grito na rua:

− Pega, ladrão, pega, ladrão!

E gente amuntuando pro meu lado, quem sabe imaginando que eu era argum malfeitor. E foi soco, bordoada, pontapé e quando eu pude percebê, já tava de pé na frente de um delegado.

− Doutô, meu filho tá doente, tá morrendo, por favô, eu tenho aqui uma receita ó − supliquei chorando.

O tár delegado, então, acreditando, falô pro guarda:

− Pega o carro da rádio patrulha, leva o moço ! − e me entregando um toco de dinheiro do seu borso, arrematô:

− Corre, corre, compra o tal remédio pro seu filho na farmácia.

Eu fui embora correndo, correndo, comprei o remédio e vortei feito um raio, feito um raio lá pra casa, mas, como sempre na vida, eu corri contra o tempo, esse covarde, quando abracei meu filho é que eu vi, mais uma vez, que eu tinha chegado tarde!

*****

P.S. A gravação desse monólogo está na internet na voz de Rolando Boldrin

Nenhum comentário:

Postar um comentário