Rolando Boldrin
Pra mim, o mundo é um relógio, e
o dinheiro é a mola que controla os relógios desta vida.
Se o senhor tivé tempo pra ouvir
a minha história, eu começo lhe contando que toda a minha vida foi um grande
desencontro entre o tempo do relógio e as oportunidades.
Deus Nosso Senhor, que perdoe a
minha sinceridade, como um segredo, mas inté hoje não entendi pru que é que pra
tudo na minha vida eu sempre cheguei muito tarde... ou muito cedo.
Pra começa, nasci fora do tempo,
sou de sete meses e se foi cedo demais pra dar dores e tristezas à minha mãe
com essa minha pressa de nasce, foi tarde demais pra dar alegria ao meu pai,
coitado, ele morreu antes de me conhece e aí começa o meu rosário com o tempo
do relógio.
Já na idade de ir pra escola foi
um tormento. Minha mãe, coitada, corria pra lá e pra cá comigo de mão dada e
sempre recebendo o mesmo desengano, coitada: não pode, dona, só pro ano, é cedo
ainda, ou, então, tarde demais, dona, as matriculas já tão todas fechadas.
Com o tempo, eu fui crescendo. Já
mocinho, eu procurava emprego: porta de oficina, serviço diferente, coisa de
pequena paga e aquelas palavras do tempo me seguindo, sempre acontecendo comigo
como um relógio do destino.
− Olha, moço não tem vaga, se
você tivesse sido esperto, agora o quadro de funcionários já tá completo
Eu me lembro que inté pro amor eu
me atrasei, quando pra aquela cabocla que eu gostava me declarei. Ela falou pra
mim:
− Você chegou tarde demais, já
dei meu coração pra outro rapaz.
Mesmo assim, um dia me casei e
desse casamento nasceu um menino bonito que só vendo. Foi a única coisa que me
chegou na hora certa, porque ele foi a porta aberta pro meu riso, riso que eu
já nem sabia mais como era o jeito.
Dei a ele o nome de Vitório. Ia
ser meu grande vingador pra me vingá do tempo, pra me vingá das horas dos
relógio e inté dos segundo e de tudo me vingá dos donos desse relógio que é o
mundo.
Vitório, o meu grande vingador.
Vitório foi crescendo como pode, logo já tinha cinco ano e a vida, o tempo. O
tempo como um inimigo traidor sempre me espiando. Um dia, Vitório adoentou-se,
como acontece com quarqué criança, e eu trabalhava num faz de tudo ao mesmo
tempo, pra nenhum remédio lhe fartá, eu tinha esperança.
Num dia só fui camelô, bilheteiro,
entregadô de encomenda, jardineiro, tudo e chegava em casa moído e fedorento de
suor pra lhe abraçá e lhe beija e o coitadinho, encuído, magrinho, dava dó,
tava sofrendo.
Então, o doutô truxe pra vê ele,
é home bão atencioso, que logo dispois de examiná, falô assim:
− Corre, vá depressa comprar essa
receita, seu filho não tá bão, quem sabe se com isso ele se ajeita. − e
chacoalhando a cabeça foi-se embora, quem sabe aconseiando uma promessa. Como
eu não tinha dinheiro pro remédio, dei de garra num véio despertadô lá de casa, a única coisa de valor, pensando que podia vendê ele num brechó e saí correndo,
bem correndo, mas inté hoje não entendi pru que ouvi uns grito na rua:
− Pega, ladrão, pega, ladrão!
E gente amuntuando pro meu lado, quem
sabe imaginando que eu era argum malfeitor. E foi soco, bordoada, pontapé e
quando eu pude percebê, já tava de pé na frente de um delegado.
− Doutô, meu filho tá doente, tá
morrendo, por favô, eu tenho aqui uma receita ó − supliquei chorando.
O tár delegado, então, acreditando,
falô pro guarda:
− Pega o carro da rádio patrulha,
leva o moço ! − e me entregando um toco de dinheiro do seu borso, arrematô:
− Corre, corre, compra o tal remédio pro seu filho na farmácia.
Eu fui embora correndo, correndo,
comprei o remédio e vortei feito um raio, feito um raio lá pra casa, mas, como
sempre na vida, eu corri contra o tempo, esse covarde, quando abracei meu filho
é que eu vi, mais uma vez, que eu tinha chegado tarde!
*****
P.S. A gravação desse monólogo
está na internet na voz de Rolando Boldrin
Nenhum comentário:
Postar um comentário