quinta-feira, 23 de abril de 2020

Nossos velhos no asilo

Fabrício Carpinejar


No começo, você visita o seu familiar, seja pai, seja mãe, seja avó, seja avô, todo o dia no asilo. Parece que a rotina vai funcionar e não ficarão distantes.

Até que você vê que a missão está concluída, que fez a sua parte, e a promessa deixa de ser prioridade. Relaxa na disciplina do afeto. Passa a pensar que é exagero o convívio diário, que não tem muito o que conversar ou fazer durante a troca de olhares. Tampouco o lugar é perto, exige longo trajeto, deslocamento de mais de meia hora, e tem que dar conta do trabalho e das crianças em casa. Chega a raciocinar que o parente nem sentirá falta, porque, na maior parte das vezes, ele está dormindo ou lacônico. Arruma desculpas e pretextos para não ser tão presente. Não consulta ninguém para a mudança de hábitos, confia na sua opinião acima de tudo. A culpa adora se valer de palpites.

O detalhe sádico é que esquece do básico: é ele quem precisa de você, não você dele. Ele quem está no asilo, quem não pode ir ao seu encontro, quem depende de cuidados e de proteção 24 horas, quem experimenta um estado de fragilidade indesejável. Se pudesse escolher, ele não estaria ali. Está ali porque não teve mais escolha.

Comete o equívoco de procurar satisfação pessoal no compromisso, quando na verdade o seu papel é oferecer contentamento. Não deveria pensar muito, quem pensa demais é egoísta e reserva os seus esforços unicamente para o deleite emocional.

Não está se dirigindo a uma festa, a um show, a um bar, para se animar. Não é mesmo fácil, trata-se de um ambiente tenso, característico de enfermaria e lentidão. Destinamos a exclusividade de nosso cotidiano para o que nos faz bem, esse é o risco do narcisismo, a responsabilidade é também enfrentar aquilo de que não gostamos.

Em vez de combater o isolamento dele, sofre de medo de que igual penúria aconteça um dia em seu futuro e afasta os pensamentos mórbidos diminuindo a frequência. Não pretende ser contagiado pela solidão.

E as visitas tornam-se semanais, depois mensais, depois trimestrais, depois anuais, depois nada, e ele será mais um velho esquecido pela própria família, anônimo num quartinho pago, enterrado vivo na saudade.

Seu celular constará nas informações do prontuário, para ser chamado em caso de necessidade.

Só que a necessidade já terá expirado quando alguém lhe telefonar.

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(Do jornal Zero Hora, abril de 2020)

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