Fabrício Carpinejar
No começo, você visita o seu
familiar, seja pai, seja mãe, seja avó, seja avô, todo o dia no asilo. Parece
que a rotina vai funcionar e não ficarão distantes.
Até que você vê que a missão está
concluída, que fez a sua parte, e a promessa deixa de ser prioridade. Relaxa na
disciplina do afeto. Passa a pensar que é exagero o convívio diário, que não
tem muito o que conversar ou fazer durante a troca de olhares. Tampouco o lugar
é perto, exige longo trajeto, deslocamento de mais de meia hora, e tem que dar
conta do trabalho e das crianças em casa. Chega a raciocinar que o parente nem
sentirá falta, porque, na maior parte das vezes, ele está dormindo ou lacônico.
Arruma desculpas e pretextos para não ser tão presente. Não consulta ninguém
para a mudança de hábitos, confia na sua opinião acima de tudo. A culpa adora
se valer de palpites.
O detalhe sádico é que esquece do
básico: é ele quem precisa de você, não você dele. Ele quem está no asilo, quem
não pode ir ao seu encontro, quem depende de cuidados e de proteção 24 horas,
quem experimenta um estado de fragilidade indesejável. Se pudesse escolher, ele
não estaria ali. Está ali porque não teve mais escolha.
Comete o equívoco de procurar
satisfação pessoal no compromisso, quando na verdade o seu papel é oferecer
contentamento. Não deveria pensar muito, quem pensa demais é egoísta e reserva
os seus esforços unicamente para o deleite emocional.
Não está se dirigindo a uma
festa, a um show, a um bar, para se animar. Não é mesmo fácil, trata-se de um
ambiente tenso, característico de enfermaria e lentidão. Destinamos a
exclusividade de nosso cotidiano para o que nos faz bem, esse é o risco do
narcisismo, a responsabilidade é também enfrentar aquilo de que não gostamos.
Em vez de combater o isolamento
dele, sofre de medo de que igual penúria aconteça um dia em seu futuro e afasta
os pensamentos mórbidos diminuindo a frequência. Não pretende ser contagiado
pela solidão.
E as visitas tornam-se semanais,
depois mensais, depois trimestrais, depois anuais, depois nada, e ele será mais
um velho esquecido pela própria família, anônimo num quartinho pago, enterrado
vivo na saudade.
Seu celular constará nas
informações do prontuário, para ser chamado em caso de necessidade.
Só que a necessidade já terá
expirado quando alguém lhe telefonar.
*****
(Do jornal Zero Hora,
abril de 2020)
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