terça-feira, 7 de abril de 2020

O colecionador de manias

Por Juliano Martinz*


Tinha uma mania: era colecionador de manias.

A primeira a ser constatada foi a mania de morder as pessoas. Odaxelagnia. Inicialmente, foi visto como algo normal. Pelo menos para os pais, que até achavam “bonitinho”. Os professores, a maioria já mordiscada por ele, haviam dado o alerta. Mas o costume de achar que o tempo cura tudo imperou, e os pais deixaram para lá.

– É coisa da idade.

Quando começou a crescer, sair-lhe barba, falar grosso, e ainda assim, mordendo todos a quem encontrava, os pais começaram a ficar preocupados. Na primeira entrevista de emprego, deu problema. Ao ser cumprimentado, não resistiu e mordeu a mão da entrevistadora. Não havia mais como negar: definitivamente ele tinha um problema. E dos sérios.

Arrumaram-lhe um psicólogo, mas este desistiu logo no primeiro dia. No final da sessão, tinha marcas de dentes nas mãos, braços e pescoço. O que iriam dizer? Tinha uma reputação a zelar. A secretária até o encarou, desconfiada. Se começasse a chegar em casa assim, daria divórcio na certa.

Para evitar futuras desistências de outros profissionais, o pai sugeriu uma psicóloga.

– Sabe com é? Uma mulher, mordidinhas no pescoço, não vai implicar… De repente, pode até gostar.

Mas ele não mordeu a psicóloga. O que não foi exatamente uma boa notícia. Isso porque o turbilhão de manias estava apenas entrando em erupção. Foi o que a psicóloga percebeu quando o paciente ficava se sentando e levantando sem parar.

– O que você tem?

– Ah, cansei de ficar sentado. Ah, mas ficar de pé cansa também. Puxa, mas sentado dói o traseiro. Droga, de pé dói as pernas. É que sentado… Doutora, posso deitar no chão?

Diagnóstico: Ablutomania.

Ela teria cuidado disso se, na sessão seguinte, ele não tivesse entrado no consultório e dito, sem delongas:

– Posso arrancar seus pelos?

– Quê???

– Os pelinhos do seu braço. Posso arrancar? Com a unha mesmo.

– Tá louco moleque?

Ele mostrou os braços pelados.

– Ah, eu arrancaria os meus, se tivesse sobrado algum.

Tricotilômano, concluiu a psicóloga, estupefata.

As notícias sobre ele correram. O jornal local fez uma matéria com enfoque nas manias, e usou sua história. A TV local também se interessou. Foi difícil entrevistá-lo porque ele ficava o tempo todo se escondendo do repórter: Criptomania.

Teve uma vida bastante agitada. Foi preso por causa da Cleptomania. Tornou-se professor de dança graças a Coreomania. Mas perdeu o mesmo emprego por causa da Rinotilexomania.

Chegou a aparecer ao vivo numa chamada da TV, no alto de um prédio, quando todos pensavam que ia cometer suicídio. Mas a psicóloga acalmou a todos:

– Podem ir pra casa. Isso é só uma crise de Acromania.

– Crise de quê?

– Mania de ficar em lugares altos.

Seus relacionamentos amorosos não ajudaram muito. Arrumou diversas namoradas e admiradoras por causa da Erotografomania. Mas, as mesmas paqueras o levaram a falência por causa de sua mania de dar presentes: Doromania.

Entrou para o Guiness Book como homem com mais manias no mundo, e depois disso, desapareceu. Hoje, ninguém mais sabe por onde anda. Dizem que vive escondido, vitimado pela Agromania. Quando alguém quer saber algo sobre ele, recorre ao Livro dos Recordes. Lá está um pouco de sua história e a lista de suas 38 manias. Curiosamente, a primeira delas a ser constatada, a Odaxelagnia, não está na lista. Pelo menos, não declaradamente. Afinal, na foto em que acompanha seu recorde, é possível vê-lo em flagrante, dando uma senhora de uma dentada no pescoço da juíza do Guiness.

*****

* Juliano Martinz é escritor, biógrafo e criador do site Literatura Corrosiva.

(Do blog Corrosivas – Crônicas corrosivas e gestos de amor)

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