quinta-feira, 16 de abril de 2020

Um carro chamado Vingança



O remorso talvez fosse a causa de desespero, mas também podia trazer prosperidade. Com o estrondoso êxito do samba-canção Vingança na voz da paulista Linda Batista (disco Odeon mais rodado no Brasil em 1951 e sucesso também na Argentina, Uruguai, Portugal, França e, reza a lenda, até no Japão), Lupicínio se consolidou como um dos maiores hit-makers da música popular brasileira pré-bossa nova. Ironicamente, aquele samba-canção encharcado de amargura seria motivo de alegria para um autor que nunca ganhara tanto dinheiro até então. Em maio do ano seguinte, enquanto o país inteiro quase cortava os pulsos ao cantar o remorso de uma traição (protagonizada por Mercedes, uma carioca com quem ele vivera por seis anos em Porto Alegre), Lupi trocava a charrete por um Hudson conversível, de lataria cinza e bancos na mesma cor: era o “Vingança”, apelido dados pelos amigos, ao saberem da compra do carro com os dividendos autorais daquela composição. Tempos depois, entraria em cena uma não menos imponente “barata” Oldsmobille preto com estofamento vermelho. “Eu realmente tive muitas namoradas na minha vida. As que me fizeram mal foram as que mais dinheiro me deram, porque as que me fizeram bem, eu esqueci”, justificava


Vingança

Lupicínio Rodrigues

Eu gostei tanto,
Tanto quando me contaram,
Que a encontraram
Bebendo e chorando
Na mesa de um bar.
E que quando os amigos do peito
Por mim perguntaram,
Um soluço cortou sua voz,
Não lhe deixou falar.
Mas eu gostei tanto,
Tanto, quando me contaram,
Que tive mesmo de fazer esforço
Para ninguém notar.

O remorso talvez seja a causa
Do seu desespero.
Ela deve estar bem consciente
Do que praticou.
Me fazer passar esta vergonha
Com um companheiro.
E a vergonha é a herança maior
Que meu pai me deixou.
Mas enquanto houver força em meu peito
Eu não quero mais nada,
E pra todos os santos
Vingança, vingança clamar.
Ela há de rolar qual as pedras
Que rolam na estrada,
Sem ter nunca um cantinho de seu
Para poder descansar.

(Do “Almanaque do Lupi, 100 anos”, de Marcello Campos)

P.S.1: Em 1951, a cantora Linda Batista gravou dois sambas de Lupicínio na RCA Victor: “Dona divergência”, com Felisberto Martins, e “Vingança”. Este último é um dos grandes exemplos de suas canções ao estilo dor de cotovelo e rendeu ao compositor grande projeção. Posteriormente, a música ficou famosa também na voz de Maria Bethânia (no disco Memória da Pele).

Na história da letra, Mercedes (também conhecida como Carioca), então namorada de Lupicínio, tenta seduzir um empregado dele, que conta ao patrão o caso. Ele rompe com ela e, logo em seguida, no carnaval, os amigos dele a veem num bar e, sem saberem do rompimento, perguntam por Lupicínio. A moça se põe a chorar copiosamente, o que o inspira a escrever a música logo após saber do episódio.

P.S.2: Essa música está na internet cantada pelo próprio compositor: Lupicínio Rodrigues (1914-1974).


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