O remorso talvez fosse a causa de
desespero, mas também podia trazer prosperidade. Com o estrondoso êxito do
samba-canção Vingança na voz da
paulista Linda Batista (disco Odeon mais rodado no Brasil em 1951 e sucesso
também na Argentina, Uruguai, Portugal, França e, reza a lenda, até no Japão), Lupicínio
se consolidou como um dos maiores hit-makers da música popular brasileira
pré-bossa nova. Ironicamente, aquele samba-canção encharcado de amargura seria
motivo de alegria para um autor que nunca ganhara tanto dinheiro até então. Em
maio do ano seguinte, enquanto o país inteiro quase cortava os pulsos ao cantar
o remorso de uma traição (protagonizada por Mercedes, uma carioca com quem ele
vivera por seis anos em
Porto Alegre ), Lupi trocava a charrete por um Hudson
conversível, de lataria cinza e bancos na mesma cor: era o “Vingança”, apelido
dados pelos amigos, ao saberem da compra do carro com os dividendos autorais
daquela composição. Tempos depois, entraria em cena uma não menos imponente
“barata” Oldsmobille preto com estofamento vermelho. “Eu realmente tive muitas
namoradas na minha vida. As que me fizeram mal foram as que mais dinheiro me
deram, porque as que me fizeram bem, eu esqueci”, justificava
Vingança
Lupicínio Rodrigues
Eu gostei tanto,
Tanto quando me contaram,
Que a encontraram
Bebendo e chorando
Na mesa de um bar.
E que quando os amigos do peito
Por mim perguntaram,
Um soluço cortou sua voz,
Não lhe deixou falar.
Mas eu gostei tanto,
Tanto, quando me contaram,
Que tive mesmo de fazer esforço
Para ninguém notar.
O remorso talvez seja a causa
Do seu desespero.
Ela deve estar bem consciente
Do que praticou.
Me fazer passar esta vergonha
Com um companheiro.
E a vergonha é a herança maior
Que meu pai me deixou.
Mas enquanto houver força em meu
peito
Eu não quero mais nada,
E pra todos os santos
Vingança, vingança clamar.
Ela há de rolar qual as pedras
Que rolam na estrada,
Sem ter nunca um cantinho de seu
Para poder descansar.
(Do “Almanaque do
Lupi, 100 anos”, de Marcello Campos)
P.S.1: Em 1951, a cantora Linda
Batista gravou dois sambas de Lupicínio na RCA Victor: “Dona divergência”, com
Felisberto Martins, e “Vingança”. Este último é um dos grandes exemplos de suas
canções ao estilo dor de cotovelo e rendeu ao compositor grande projeção.
Posteriormente, a música ficou famosa também na voz de Maria Bethânia (no disco
Memória da Pele).
Na história da letra, Mercedes
(também conhecida como Carioca), então namorada de Lupicínio, tenta seduzir um
empregado dele, que conta ao patrão o caso. Ele rompe com ela e, logo em
seguida, no carnaval, os amigos dele a veem num bar e, sem saberem do
rompimento, perguntam por Lupicínio. A moça se põe a chorar copiosamente, o que
o inspira a escrever a música logo após saber do episódio.
P.S.2: Essa música está na internet cantada pelo próprio compositor: Lupicínio Rodrigues (1914-1974).
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