David Coimbra
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Roberto Carlos por Fraga
Comprei o livro “Roberto Carlos
em Detalhes” pouco antes de ele ser censurado. Os advogados de Roberto dizem
que não foi censura, que houve um acordo judicial; mas foi, sim. Esbirros
retiraram os volumes das prateleiras das livrarias como se estivessem
contaminadas pelo coronavírus, faltou apenas atirá-los na fogueira das
vaidades, como fazia Savonarola em Florença.
Depois, seguindo o caminho do
Rei, antigos libertários, como Chico Buarque e Caetano Veloso, lideraram um
movimento a favor da censura chamada “Procure saber”. Foi chocante vê-los
decair a tal ponto. Logo eles, que tinham sido presos e exilados no tempo da
ditadura militar; logo Caetano, que cantava que era proibido proibir; logo
Chico, que cantava que amanhã seria outro dia.
Os artistas alegavam que queriam
se proteger dos “aproveitadores”, sobretudo os que atuam na internet. Não muito
diferente dos argumentos dos militares, que também usavam a proteção contra
aproveitadores como justificativa para a censura nos anos 1970.
A pergunta que resta é: que
aproveitadores devem ser censurados? E a resposta é: os aproveitadores que nos
incomodam. Nós, se formos classificados de aproveitadores, poderemos clamar:
liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós.
(...)
Mas, voltando à biografia do Rei,
tenho-a há 14 anos e ainda não a havia lido. Decidi fazê-lo agora, em meio às
introspecções do confinamento. E deparei com algo admirável sobre Roberto
Carlos, além da afinação da sua voz: sua poderosa obstinação.
Paulo César de Araújo, o autor do
livro, descreve por dezenas de páginas a espantosa capacidade de absorção de
reveses de Roberto Carlos. Ele avançou de fracasso em fracasso, caindo uma vez
e outra e mais outra, levantando-se só para cair de novo.
Roberto Carlos foi rejeitado por
praticamente todas as rádios e gravadoras do Rio de Janeiro. Integrantes do
grupo da Bossa Nova, como Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli, o rechaçaram sem
piedade, mandando que ele, literalmente, procurasse outra turma. Sem dinheiro,
o futuro Rei foi trabalhar como datilógrafo numa repartição pública e, nos
finais de semana, cantava em circos, alguns com a lona furada. Em várias dessas
apresentações circenses, Roberto cantava para menos de 10 pessoas. Numa dessas,
como não havia amplificador, ele se valeu de um megafone para ser ouvido. Um
dos homens da plateia, irritado com a falta de qualidade do show, atirou um
mamão no cantor, atingindo-o em cheio no rosto.
O sucesso que Roberto tanto
procurava só foi chegar com o lançamento do programa da Jovem Guarda na TV.
Ainda assim, ele foi a quarta opção dos diretores da emissora!
Roberto Carlos passou por tudo
isso praticamente sem reclamar e sem se deixar seduzir pela amargura, com um
bom humor e um otimismo quase que inexplicável. A vitória de Roberto Carlos foi
improvável e só aconteceu por insistência, só aconteceu porque ele queria
muito.
É uma lição de resiliência. E é
assim que tem de ser. Confinamento? Medo do vírus? Da falência da economia? Não
se abale. Siga em frente e siga sorrindo. Talvez, um dia, você se transforme em
rei.
(Do jornal Zero Hora,
abril de 2020)
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