segunda-feira, 13 de abril de 2020

Única herdeira do grande amor de Machado de Assis conta histórias do casal

Carolina Marques


Machado de Assis não era apenas o gênio por trás de crônicas ácidas que atravessam o tempo. Ele também gostava dos temas de amor. Em toda a sua biografia é pública a dedicação à Carolina Augusta Xavier de Novais, sua mulher durante 35 anos. Portuguesa, Carolina teria vindo para o Brasil a fim de superar uma desilusão. Aqui conheceu o futuro marido e lhe apresentou grandes autores portugueses e ingleses. Além de ser a alma gêmea de Machado, Carolina o ajudava nos manuscritos, revisando e até dando palpites.

Na quarta reportagem para lembrar o centenário de morte de Machado de Assis, o EXTRA* conversou com a sobrinha-bisneta de Carolina, Ruth Leitão de Carvalho Lima. Aos 95 anos, Ruth se lembra bem das histórias contadas pela avó Laura, a quem Machado tinha como filha, tornando-a assim sua única herdeira. Ela se lembra, por exemplo, dos móveis do “Tio Machadinho”:

- Eram lindíssimos. Minha avó tinha medo que as coisas se perdessem com o tempo e doou para ABL (Academia Brasileira de Letras). Não tínhamos dimensão do quem Machado de Assis era - conta Ruth, que não ficou com nenhuma lembrança material do parente ilustre.

Ruth recorda que nas conversas da família sabia-se que Carolina escrevera alguns capítulos de obras de Machado.

- Ele saía para trabalhar e deixava alguns capítulos em aberto. Carolina, muitas vezes, mexia no texto. Era uma mulher muito culta e refinada e dizia ao marido: “Você está sendo cruel demais com a mocinha, Machadinho”.

O quanto essa história tem de verdade, não há como saber. Mas o certo é que o casal viveu em harmonia por mais de três décadas:

- Naquele tempo não tinha essa coisa do sexo. As pessoas morriam apaixonadas.

Companheira da vida inteira

Machado de Assis e Carolina se casaram em 12 de novembro de 1869. Ela era irmã de seu amigo, o poeta Faustino Xavier de Novais. O casal não teve filhos, mas foi extremamente dedicado a Graziela, uma cadelinha tenerife, que morreu em 1891. Ficou famoso - e posteriormente se tornou conto - o dia em que Graziela desapareceu, deixando Carolina e Machado em polvorosa. A cachorrinha apareceu dias depois na rua Bento Lisboa, no Catete, para alegria do escritor.

A falta de herdeiros, segundo conta Ruth, pode ter sido proposital:

- Ele tinha medo de passar a epilepsia para algum filho.

Por ocasião da doença já em estágio avançado de sua mulher, que tinha câncer de intestino, Machado comentou com o amigo Joaquim Nabuco que gostaria de morrer antes dela: “Eu contava morrer antes dela, o que seria um grande favor; primeiro, porque não acharia ninguém que melhor me ajudasse a morrer; segundo, porque ela deixa alguns parentes que a consolariam das saudades, e eu não tenho nenhum”. Carolina morreu em 1904.

- Ele deixou tudo como era em casa. E sempre almoçava e jantava com dois pratos à mesa - conta Ruth.

*Jornal do Rio de Janeiro

(Do jornal Extra)

Sobre a morte da esposa,
assim escreveu Machado de Assis


Carolina Augusta Xavier de Novais

“Foi-se a melhor parte da minha vida, e aqui estou só no mundo. Note que a solidão não me é enfadonha, antes me é grata, porque é um modo de viver com ela, ouvi-la, assistir aos mil cuidados que essa companheira de 35 anos de casados tinha comigo; mas não há imaginação que não acorde, e a vigília aumenta a falta da pessoa amada.”

(Carta a Joaquim Nabuco, 20 de novembro de 1904)

Machado de Assis faleceu na sua cidade natal, Rio de Janeiro, no dia 29 de setembro de 1908, quatro anos depois de ficar viúvo.



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