sábado, 6 de junho de 2020

O lugar

Mário Prata


Todos nós temos o nosso lugar e sabemos onde ele fica.

Sempre, desde que nascemos. Quantas vezes já não te perguntaram: de onde você é? Você já sabe, é o lugar onde você nasceu. Foi (e será para sempre) o seu primeiro lugar. Você pode hoje estar morando a centenas de quilômetros daquele lugar. Mas ele está lá, o seu lugar.

Depois vem a mesa. Conversando outro dia com uma hippie lá do interior de Santa Catarina ela me chamou a atenção sobre os nossos lugares. Sim, porque hippie também ainda tem o seu lugar no mundo. Mas estávamos falando da mesa.

Da mesa de jantar. Aliás, não sei por que aquele lugar nunca foi chamado de mesa de almoço. É mesa de jantar.

Você se lembra de quando ainda morava com os seus pais? Cada um tinha o seu lugar na mesa, não é? Nunca saberemos como é que aquilo foi se definindo.

Outro dia, meu irmão José Maria, o caçula, estava recitando os nossos lugares na mesa em Lins. E éramos sete! Durante os 20 anos que passei em várias casas no interior, tudo mudava. Menos o lugar na mesa.

E a minha amiga hippie fazendo um comentário:

– Isso era uma burrice, porque você passou toda a sua infância e adolescência tendo a mesma visão. Olhando para a mesma parede.

É isso. Havia alguém que comia olhando para a janela. Sempre. Outro, de costas para a janela. E aquela irmã sempre à sua direita? Talvez, se houvesse um rodízio na hora das refeições (não de carnes) da família, ela permanecesse ainda mais unida. E com mais assunto. Você não precisaria pedir o pão sempre para a mesma pessoa. Você poderia ficar mais amigo do irmão caçula, agora passando uma temporada ao seu lado e não lá naquela ponta. E poderia, vez ou outra, admirar a mangueira repleta de frutas lá fora. Nada disso, você tinha o seu lugar, sabia disso e nunca passou pela sua cabeça que pudesse mudar a ordem das coisas, das cadeiras, da sua vida.

E, quando alguém se sentava no lugar do outro, éramos tomados por um ódio que vinha não sei de onde:

– Mãe, o Leonel está no meu lugar! Olha lá!

Bastava um olhar sério do pai e lá ia o Leonel, cabisbaixo, para o seu lugar.

– Parece que não sabe mais onde é o seu lugar, menino!

E na escola? Cada um tinha também o seu lugar. E, ali também, nunca soube quem definia aquilo. Era mais democrático. Nós mesmos escolhíamos. Tinha aqueles que gostavam de ficar lá na frente. Geralmente cdf. E a turma de trás, os bandidos, os que só iam à aula para azucrinar os professores. Eu sempre fui dos fundos. Lá era o meu lugar. Uma semana de aula e todo mundo já tinha o seu lugar. E aquilo durava o ano todo. Por quê? Jamais saberemos.

E foi na escola que começamos a entender que poderíamos ser “primeiro lugar”. Por que lugar? Nunca fui o primeiro lugar, nem o segundo. Sempre tive um lugar intermediário, mas este lugar não tinha nem nome nem classificação. Também nunca fui o último lugar.

Nos esportes também a necessidade de obter o primeiro lugar. Na fila. Tinha uma expressão no meu tempo para designar o primeiro lugar na fila ou em qualquer sorteio: xiniqueiro. Ou seria chiniqueiro? Vou ver o Aurélio e já volto. Tempo perdido. Não tem. Nem no Houaiss. A palavra só tem lugar mesmo é na minha memória.

Já que estava com o dicionário na tela, copiei o que ele define como lugar.

Veja que loucura:

Espaço ocupado, sítio, data e lugar de nascimento, espaço próprio para determinado fim, ponto de observação, posição, posto, ambiente, povoação, localidade, região, país, situação (que faria você se estivesse em meu lugar?), classe, categoria, ordem (ponha-se no seu lugar, não suporto má-criação!), ocupação, emprego, função, cargo (temos de arranjar um lugar para ele: está desempregado), assento marcado e determinado (não dizia eu, lá em cima?).

Portanto, ponha–se no seu lugar.

*****

Do livro “Crônica Brasileira Contemporânea”.
organização e apresentação de Manuel da Costa Pinto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário