quinta-feira, 11 de junho de 2020

Pena de morte

Por Joel Rufino dos Santos*


Execução de Joaquim José da Silva Xavier o Tiradentes, no dia 21 de Abril de 1792 (Reconstrução histórica feita sob apontamentos do Sr. Barão Homem de Mello).

Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, foi executado, como todos sabem, em 21 de abril de 1792, por volta do meio-dia, no centro do Rio. Do espetáculo participaram três bichos da terra tão pequenos. Essa é de Camões: bichos da terra tão pequenos...

O primeiro, seu escravo, foi passado nos cobres quando o amo precisou de cash para fugir. O cortejo fúnebre saiu da cadeia pública, atual Assembleia Legislativa, entre oito e nove horas de um dia lindo. Percorreu a Rua do Piolho (atual Assembleia), chegou ao Campo de São Domingos (hoje Teatro João Caetano) e parou na igreja da Lampadosa (que ainda está lá) para a oração final. Moças nas sacadas, rufo de tambores, o comandante da brigada em cavalo ajaezado, de cima pra baixo. No meio do cortejo, bandeiras da misericórdia, cestos de marmelada, pães-de-ló e vinhos para levantar o ânimo do condenado. Na rabeira, a carreta para os seus pedaços, empurrada por 12 forçados. Parecia desfile de escola de samba, mas sem alegria.

Tiradentes, entre dois meirinhos, suando muito, enfiava a cara no crucifixo de dois palmos. Já se avistando a forca especial, 24 degraus, surgiu de um corredor uma mulher preta, descalça, com água salobra para o coitado. Apesar da bondade, não entrou para a História.

O conde de Rezende ordenara a frei José de Jesus do Desterro pregar contra aqueles que fugiam à obediência aos reis e seus ministros. Um colega seu, Penaforte, se irritou com o espetáculo. José exagerou, deu pulos para simbolizar o coração batendo de devoção à Rainha, espancou o ar com mãos enormes para dizer que o próprio vento levaria ao palácio conversas de conspiradores, choveu enxofre sobre o público. Não satisfeito, rezou o credo dos apóstolos com paradas de ator, para que o condenado repetisse palavra por palavra.

A essa altura, o carrasco, forte como um estivador, recolheu o crucifixo, passou a corda no braço da forca, segurou a outra ponta. Tiradentes já conhecia Jerônimo Capitania − haviam sido apresentados antes de sair o cortejo.

Era galé, não sabemos de que crimes.

− Lhe peço perdão pelo que vou fazer. É meu trabalho.

− Não tem problema.

Deixa pra lá. A história pôs no lugar outras frases, solenes. Essas seriam mais ou menos as verdadeiras, se o condenado e o carrasco não tivessem passado à História. Capitania lhe pediu que tirasse a roupa, ia vestir-lhe o camisolão branco.

− Meu Redentor também por mim morreu nu! − teria respondido Tiradentes, frase também maquiada.

Para que o condenado nada visse, ou não lhe vissem os olhos de horror, Capitania os escondeu com uma tira de bretanha preta. Devia feder a sangue.

Frei José de Jesus já descia os degraus.

− Ó Pátria, recebe meu sacrifício − gemeu Tiradentes, ou algo que as testemunhas entenderam assim.

Capitania o empurrou com força.

Depois, com as pernas em volta do seu pescoço, cavalgou rodopiando.

*****

* Joel Rufino dos Santos é escritor e historiador

(Do “Almanaque de Cultura Popular”, TAM, junho de 2007)


Você sabia?
  
Por Diego Braga Norte
  
     
→ Entre suas propostas, os inconfidentes previam a instalação da capital federal em São João Del Rey, Minas Gerais.

→ Outra proposta: criar universidade em Vila Rica. O Brasil era carente em instituições de ensino superior.

→ Em 1873, visando combater ideais republicanos, Joaquim Norberto de Souza Silva publicou História da Conjuração Mineira. Tratava Tiradentes como louco irresponsável que entrou no meio dos revoltosos e pôs tudo a perder. Por décadas foi a única fonte de informação sobre os inconfidentes.

→ A cabeça de Tiradentes foi roubada na terceira noite. Nunca mais a encontraram.

→ Alferes, do árabe al faris (o cavaleiro, o herói), era patente abaixo de tenente. A denominação foi substituída por segundo-tenente.

→ Preocupados com o povoamento do País, a natalidade seria incentivada por meio de pensões para mães com muitos filhos.

→ O escravo Jerônimo Capitânia, condenado à morte, aceitou prisão perpétua em troca da missão de carrasco oficial. O destino lhe reservou a tarefa de enforcar Tiradentes.

→ Tomás Antônio Gonzaga (parceiro de Tiradentes), enquanto preso no Rio, escreveu um dos poemas de amor mais belos de nossa literatura: Marília de Dirceu, declaração a Maria Doroteia de Seixas.

→ Grande parte dos quadros e gravuras representa Tiradentes de barba e cabelo compridos. Mas, militar, mantinha-os aparados. Talvez tenham crescido durante a prisão; mas no dia da morte estava careca e barbeado, como se fazia com os condenados.

→ Joaquim Silvério dos Reis, perdoado da dívida de 220 mil-réis e salvo da condenação, foge para Portugal em 1794. Tentaram assassiná-lo no Rio e em Minas. Foi condecorado como “Fidalgo da Casa Real em foro e moradia” pelo príncipe-regente João VI. Fugindo de Napoleão, a Corte vem para o Brasil em 1808. Silvério vem junto e assume um cargo administrativo.

(Almanaque de Cultura Popular, TAM, abril de 2006)


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