segunda-feira, 14 de setembro de 2020

2040: memórias do futuro

 Débora Laks*

O ano em que você nasceu, filho, foi muito difícil. Em 2020, surgiu no mundo o vírus da covid-19, que podia levar à morte de muitas pessoas. Não sabíamos como enfrentar aquela pandemia, os médicos passaram o ano em busca de uma medicação eficiente.

Eu ficava contigo nos meus braços, pequenino, com muito medo que o vírus fizesse mal a ti, a nós. Não recebíamos visitas, não contamos com a ajuda de ninguém. Sem amparo, com um temor constante da contaminação. Por outro lado, na minha frente a vida crescendo dia a dia. Tu nos encantando diariamente!

A situação era completamente desconhecida. Não tínhamos respostas exatas de como resolver a situação. O isolamento social e o uso de máscaras eram as armas existentes. No entanto, quem vive isolado para sempre? Como viver por tempo indeterminado sem ir e vir? Se voltássemos a conviver normalmente, o sistema de saúde não daria conta das pessoas adoentadas. Se as atividades não voltassem, as perdas econômicas seriam catastróficas. Conflitos incessantes.

No Brasil, contabilizamos inúmeros mortos e uma angústia tremenda. Haveria vacina? A vacina que surgisse seria eficiente? Crianças seriam atingidas pelos vírus? Se adoecêssemos, sairíamos ilesos?

Ninguém sabia. O mundo sofria com a incompreensão. Parecia filme de ficção científica. Respirar perto de alguém se tornou risco de vida. Com isso, como conviver?

A saudade da vida como conhecíamos era tremenda. Cidades vazias. Estabelecimentos desocupados. Colégios fechados. Ir e vir se tornaram movimentos infrequentes. Privações no combate ao inimigo invisível.

Naquele momento, o pensamento ficou um tanto perdido. Era difícil elaborar com firmeza o que vivíamos. Apenas sobrevivíamos. Um dia de cada vez. Havia a esperança de que no amanhã pudéssemos compreender os tempos turvos.

Foi um momento traumático, meu filho! Quem tinha contato com a realidade sentia periodicamente pavor, tristeza, incômodo, clausura... Hoje isso faz parte da nossa história, mas nos deixou marcas.

Aprendemos com a crise da covid-19. Entendemos a importância do convívio social. O impacto das atitudes individuais do coletivo. A importância da união. A atenção aos idosos e às crianças, que eram os mais fragilizados. O valor da saúde física e mental. O acolhimento a quem padecia dos impactos da Pandemia. A possibilidade de valorizarmos os acontecimentos de hoje, pela imprevisibilidade do amanhã. Do sofrimento surgiram diversos frutos.

O ano de 2020 ficou para a história e foi um marco transformador. Na modernidade, não houve outras situações tão desafiadoras. E hoje, em 2040, sentimos as mudanças na sociedade, nos nossos valores. Há de se ter força para enfrentar os desafios, e é inegável a renovação.

*Psicóloga

                         (Do jornal Zero Hora, setembro de 2020)


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