quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

O maqueiro do Maracanã

 O negão da maca 

Por Sergio Pugliese

O Maracanã dos velhos tempos era abarrotado de personagens, era como se você mergulhasse em um livro de contos e fábulas. Havia o torcedor que cobria o corpo inteiro com pó de arroz; Dona Dulce Rosalina, que comandava a galera vascaína, o sósia do Obama, o carinha que vivia rezando com um galho de arruda acomodado na orelha, o alvinegro Russão, o Mr. M, o árbitro Armando Marques cheio de caras e bocas, o comentarista Mário Vianna gritando “errooooou!!!”, o locutor da Suderj anunciando as escalações, o velhinho das embaixadas, enfim, o Maracanã era uma espécie de ilha da fantasia, um mundo encantado que amenizava nossas dores e coloria nossas emoções. 

Enéas, vulgo Mike Tyson, o maqueiro fortão, era mais uma dessas tantas figuras que ilustravam nossas tardes/noites e guardamos na memória até hoje. O cara era um guarda-roupas e virou atração turística, porque passou 20 anos entrando e saindo de campo carregando gênios, como Zico e Maradona, e grandalhões, como Júnior Baiano e Manguito. Quando sentia que a contusão era mais grave, nem esperava por Geraldo, seu grande parceiro de trabalho, entrava correndo em campo, colocava o atleta no ombro e voltava correndo com ele. A galera endoidava! Certa vez, tropeçou, caiu e a Geral pegou no seu pé...“Negão, tá na hora de se aposentar!”. Quando o locutor Januário de Oliveira anunciava “tá lá um corpo estendido no chão, vem aí o primeiro carreto da noite”, ele entrava em ação, era seu estrelato. Vascaíno, o primeiro jogador a carregar foi Zico. Ficaram muito amigos. 

Malhava como um louco e, nas horas vagas, atuava como segurança de boates, clubes e para a família do Galinho de Quintino. Nos finais de semana de folga, para condicionar-se fisicamente, corria de Brás de Pina, subúrbio carioca, até a Praia de Copacabana. Na chegada triunfal, o filho acenava, orgulhoso, da areia. Durante o trajeto, muita gente o reconhecia e pedia autógrafos. O “negão da maca” fez história no Maraca, foi um de seus reis, como Romário, Túlio, Renato Gaúcho e Papai Joel. Claro, que tanto peso lhe rendeu problemas graves na coluna, mas o glaucoma, que o deixou cego, é o que mais o aflige. 

Aos 80 anos, está frágil e saudoso da grama verde, de sua padiola e do respeitável público daquele circo chamado Maracanã. Em nossa despedida, tentou levantar-se do sofá, mas não conseguiu nem com o apoio de uma velha bengala. Segurei firme em seu pulso e ofereci apoio ao maior reboquista da história do Maracanã. “Quem diria, hein”, comentou. Quem diria. Rimos e caminhamos lentamente até a porta amparados por um abraço e por doces lembranças.


Jornalista Sergio Pugliese, criador do Museu da Pelada, 
no Rio de Janeiro. 

Os causos do maqueiro

“Lembro que o Sávio tomava muito cacete e o Bebeto era chorão. Já o Romário era manhoso, caía de sacanagem e eu tinha que carregar ele mesmo sabendo que não era nada. Quem me sacaneava muito era o Junior Baiano, ele e Serginho Chulapa não cabiam na maca. Teve um jogo em que o Flamengo tinha acabado de entrar em campo e o Baiano caiu. Eu disse ‘porra, pera aí, que é que é isso’, mas era distensão na coxa direita. Quando ele subiu na maca, a coisa envergou. Teve um Brasil x Chile em que aquele goleiro Rojas caiu e não deixaram eu pegar nele. Colocaram mercúrio para fingir sangue e tentar acabar com o jogo, aproveitando que um rojão tinha caído no campo. Depois, quando ele foi para o São Paulo, reclamei sobre isso, mas ele começou a rir”, lembra.

Saudoso, ele diz sentir falta dos tempos de maca, mas se diz satisfeito com a vida. “Se eu morrer agora, estou satisfeito, eu curti. Passeei, trabalhei muito e me tornei famoso”, diz antes de nos ver sair pelo portão como criança com doce nas mãos. Só quem frequentou aquele Maracanã sabe o que significa.

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