domingo, 11 de abril de 2021

A crônica

 Por Ivan Lessa

Crônica, do grego chrónos, tempo, cronicar, feito Tácito, relatar o tempo ou tempos. 

Por que nós, brasileiros, fizemos do gênero especialidade da casa − feito moqueca de peixe ou tutu à mineira? 

Eu, pela parte que me cabe − e é pouquíssima a parte que me cabe , eu tenho minhas teoriazinhas. 

Primeiro lugar, porque nós trabalhamos bem com poucas armas, isto é, Euclides da Cunha à parte, nosso fôlego literário é curto. 

Não há nenhum demérito nisso. 

Se a América Latina fornece caudalosos escritores, como Vargas Llosa, Roa Bastos e Alejo Carpentier, nós, por outro lado, somos excelentes no pinga-pinga do conto: o próprio Machado de Assis, Lima Barreto, Alcântara Machado, Dalton Trevisan, Clarice Lispector, Rubem Fonseca. 

Segundo lugar, porque nós temos consciência da extraordinária violência com que o tempo vai levando as coisas e as gentes, daí a necessidade de registrar, de alguma forma, o que se passou e passa no âmbito pessoal e intransferível. 

Terceiro lugar, em consequência disso que acabei de falar: somos muito pessoais, vemos e vivemos muito a nossa vida e a celebramos quase que no próprio instante em que ela se passa. 

A crônica é a nossa autobustificação, por assim dizer. 

Ou, em termos da realidade atual: é a nossa autonomeação para assessor disso ou secretário daquilo outro. 

E em quarto e último lugar: dinheiro. 

Não há motivo nenhum para se ficar encabulado. 

Quem não escreve por dinheiro não é digno da profissão. 

Um romance vende cinco mil exemplares e o autor, com alguma sorte, pega o equivalente a uns tantos salários mínimos. 

Se dividirmos tempo gasto no trabalho e na vida de estante do livro, vai dar nisso mesmo: salário mínimo. 

O cronista, por outro lado, mesmo mal pago − e quando é bom não é esse o caso −, tem uns cobres garantidos no fim do mês, se o empregador for bom pagador. 

Consequentemente: aí está, viva e atuante, a crônica do cronista brasileiro. 

Pouco importa que o cronista ou a cronista limite-se a relatar seu encontro no bar ou sua ida ao cabeleireiro. 

Tanto faz que seja elitista ou literariamente limitador. 

E daí que tenha menos profundidade que mergulhadores mais audazes como Milan Kundera e Marion Zimmer Bradley? 

A crônica vai registrando, o cronista vai falando sozinho diante de todo mundo. 

(Do blog BBC Brasil, dezembro de 1999)

Nenhum comentário:

Postar um comentário