quinta-feira, 1 de abril de 2021

Outra do Analista de Bagé

 

A honra da Rosa Flor 

O analista de Bagé se declara “freudiano de colá decalco” e “mais ortodoxo que caixa de Caximir Buquê”, mas isto não o impede de experimentar novas formas de terapia. Como no caso da mulher do compadre Salustiano. 

Contam que um dia o compadre Salustiano entrou no consultório, segundo o analista de Bagé, como mata-mosquito em convento. Causando alvoroço. Eles há tempo não se viam.

- Guasca velho!
- Cachorrão!
- Índio bem loco!
- Seu bosta!
- Animal!
- Desgraçado!

E se atiraram um nos braços do outro, com tanta força que a Lindaura veio ver se não tinha móvel quebrado. Depois o analista de Bagé mandou o amigo se deitar no divã e desembuchar, que era de graça. O Salustiano reagiu.

- Epa. Tá me estranhando, compadre? O problema é com a Rosa Flor.
- O que tem?
- A Rosa Flor quer ir pro Rio.
- Ir embora do Rio Grande? Mas enloqueceu?
- Pôs é. Diz que não aguenta mais vê campo. Quer ver o mar.

- Mas ela não sabe que mar é igual a campo, com a desvantagem que afunda?

- Sabe, mas não adianta. Aquela, quando decide ir pra um lugar, é como cachorro de cego, só matando.

- Escuta aqui, tchê. Tu deste um trancaço nela?
- Dei trancaço, dei laço, cheguei até a pedi. Foi como mijá em incêndio.

- Côsa, seu. Tu sabe que mulher que vai pro Rio, já desce na rodoviária falada.

- E não sei?
- Me manda ela aqui.

A Rosa Flor, a princípio, não quis dizer nada. Ia para o Rio e pronto. O analista de Bagé abriu um volume do Freud para consulta. Era ali que guardava, numa folha de caderno de armazém, escritas a toco de lápis, as máximas do velho Adão, seu pai. Encontrou um precedente: “Pra amarrar cavalo no campo e mulher em casa, só carece de um pau firme.” Deitada no pelego, a Rosa Flor confirmou com a cabeça quando o analista perguntou, sutilmente, se o compadre não passava mais a linguiça na farinheira. Era verdade.

O analista botou uma mão na cabeça. Aquilo era a pior coisa que pode acontecer com um gaúcho, fora cair do cavalo ou a filha casar com nordestino. Com a outra mão, começou a desabotoar a braguilha. Fazia qualquer coisa por um amigo.

Ficou combinado que a Rosa Flor teria sessões duas vezes por semana e desistiria daquela história de ir para o Rio. O compadre Salustiano podia ficar descansado. A honra da Rosa Flor estava salva. 

(Do livro “Outras do Analista de Bagé”, de Luís Fernando Veríssimo, L&PM Editora)

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