quinta-feira, 29 de abril de 2021

Vende-se tudo!

 “A gente leva dessa vida... a vida que se leva...” 

Texto de Martha Medeiros

No mural do colégio da minha filha encontrei um cartaz escrito por uma mãe, avisando que estava vendendo tudo o que ela tinha em casa, pois a família voltaria a morar nos Estados Unidos. O cartaz dava o endereço do bazar e o horário de atendimento. Uma outra mãe, ao meu lado, comentou: 

- Que coisa triste ter que vender tudo que se tem. 

- Não é não, respondi, já passei por isso e é uma lição de vida. 

Morei uma época no Chile e, na hora de voltar ao Brasil, trouxe comigo apenas umas poucas gravuras, uns livros e uns tapetes. O resto vendi tudo, e por tudo entenda-se: fogão, camas, louça, liquidificador, sala de jantar, aparelho de som, tudo o que compõe uma casa. 

Como eu não conhecia muita gente na cidade, meu marido anunciou o bazar no seu local de trabalho e esperamos sentados que alguém aparecesse. Sentados no chão. O sofá foi o primeiro que se foi. Às vezes o interfone tocava às 11 da noite e era alguém que tinha ouvido comentar que ali estava se vendendo uma estante. Eu convidava pra subir e em dez minutos negociávamos um belo desconto. Além disso, eu sempre dava um abridor de vinho ou um saleiro de brinde, e lá se iam meus móveis e minhas bugigangas. 

Um troço maluco: estranhos entravam na minha casa e desfalcavam o meu lar, que a cada dia ficava mais nu. No penúltimo dia, ficamos só com o colchão no chão, a geladeira e a tevê. No último, só com o colchão, que o zelador comprou e, compreensivo, topou esperar a gente ir embora antes de buscar. Ganhou de brinde os travesseiros. Guardo esses últimos dias no Chile como o momento da minha vida em que aprendi a irrelevância de quase tudo o que é material. 

Nunca mais me apeguei a nada que não tivesse valor afetivo. 

Deixei de lado o zelo excessivo por coisas que foram feitas apenas para se usar, e não para se amar. Hoje me desfaço com facilidade de objetos, enquanto que se torna cada vez mais difícil me afastar de pessoas que são ou foram importantes, não importa o tempo que estiveram presentes na minha vida. 

Desejo para essa mulher que está vendendo suas coisas para voltar aos Estados Unidos a mesma emoção que tive na minha última noite no Chile. 

Dormimos no mesmo colchão, eu, meu marido e minha filha, que na época tinha 2 anos de idade. As roupas já estavam guardadas nas malas. Fazia muito frio. Ao acordarmos, uma vizinha simpática nos ofereceu o café da manhã, já que não tínhamos nem uma xícara em casa. 

Fomos embora carregando apenas o que havíamos vivido, levando as emoções todas: nenhuma recordação foi vendida ou entregue como brinde. 

Não pagamos excesso de bagagem e chegamos aqui com outro tipo de leveza: 

“Só possuímos na vida o que dela pudermos levar ao partir”, é melhor refletir e começar a trabalhar o desapego já! 

Não são as coisas que possuímos ou compramos que representam riqueza, plenitude e felicidade. 

São os momentos especiais que não tem preço, as pessoas que estão próximas da gente e que nos amam, a saúde, os amigos que escolhemos, a nossa paz de espírito. 

Felicidade não é o destino e sim a viagem.


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