sábado, 28 de agosto de 2021

Distraídos

 

O homem não notou um colega passar e cumprimentá-lo. Fato típico dos novos tempos. Os olhos quase não piscam diante das telas. Vivemos tanto ali dentro que até fica difícil acreditarmos na existência longe do mundo virtual. Fazemos compras, pagamos contas, visitamos lugares tridimensionais, descobrimos amores idealizados e, de súbito, percebemos que o dia passou lá fora. Aí surge uma vontade de salvarmos o que ainda é pele, movimento, ar livre. Planejamos viagens, decidimos apreciar a natureza, prometemos manter distância das mensagens de trabalho. Contraditoriamente passamos a postar fotos nas redes sociais, não só no intento de registrar instantes, mas também na ânsia de sermos vistos, aprovados e até mesmo invejados. É como se a realidade despida de dispositivos já não nos impressionasse por si só. Adentramos no sistema binário que nos projeta da melhor forma possível, corrige falhas, esconde a dor, traz novidades alheias, distrai. Faço parte dessa aldeia digital (quem não?) e agora me pergunto: será que na minha frente já passaram grandes amigos e eu deixei de estender um sincero sorriso? É de se pensar. 

Alina Souza 

(No Correio do Povo, agosto de 2021) 

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