domingo, 21 de novembro de 2021

Como alcançar um milagre particular

 David Coimbra*

Uma das passagens do Novo Testamento de que mais gosto é quando Jesus caminha sobre as águas do Mar da Galileia. Os discípulos o esperavam num barco, era noite e eles não conseguiam enxergar direito. Vendo a cena daquele homem que vinha em sua direção andando por cima das ondas sem afundar, começaram a gritar de medo, achando que se tratava de um fantasma. Jesus acalmou-os: 

– Sou eu. Não tenham medo. 

Então, Pedro respondeu: 

– Senhor, se és tu, manda-me ir ao teu encontro caminhando sobre a água. 

E Jesus: 

– Vem! 

Pedro desceu do barco e saiu andando, mas o vento forte o assustou e ele começou a afundar. Gritou: 

– Socorro, Senhor! 

Jesus estendeu a mão e o puxou para cima, criticando-o: 

– Homem de pouca fé. 

O que é mais interessante nessa história é a participação de Pedro. Em primeiro lugar, duvido que ele quisesse confirmar que aquele que vinha de lá era Jesus, e não um fantasma. Ele sabia que era Jesus. O que ele queria era andar sobre as águas. Compreensível – andar sobre as águas deve ser uma delícia. 

Assim, Pedro desceu do barco e começou, todo feliz, a caminhar no mar. 

Experimentou uma sensação única, poderosa e, ao mesmo tempo, apavorante. Ele estava andando sobre as águas! Não era possível, mas estava! 

Neste momento de júbilo é que Pedro deve ter pensando: “Cara, mas se eu afundo aqui, no meio do mar, no escuro, eu morro na hora!” 

Isso fez com que hesitasse e, ao hesitar, a mágica se desfez. O milagre dependia da fé. Foi a crença de Pedro de que realmente poderia caminhar sobre as águas que moveu forças dentro dele suficientes para fazê-lo alcançar a façanha. 

Jesus passa grande parte do Evangelho ensinando a respeito do poder da fé. Se você acredita de verdade, reunirá confiança e segurança que o tornarão capaz de vencer. Mas tem de acreditar. Não pode vacilar por um segundo, como vacilou Pedro. 

Praticamente todas as religiões se baseiam nisso, uma mais do que todas as outras, a japonesa Seicho-no-ie. Segundo essa religião, você deve agradecer a Deus pela graça alcançada antes mesmo de ela ter sido alcançada. Minha avó, no fim da vida, se converteu à Seicho-no-ie e passava o dia inteiro murmurando: 

– Obrigado, Senhor. Obrigado, Senhor. Obrigado, obrigado, obrigado, obrigado, obrigado. 

Não sei se ela obteve o que queria, mas sei que aquilo lhe dava confiança e tranquilidade. 

(...) 

******* 

* Parte de uma crônica de David Coimbra, em Zero Hora, novembro de 2021.

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