quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Enterro concorrido

 

A um hotel modesto, de aparência tranquila, chega um viajante apressado. 

‒ Senhor, ‒ diz ele ao hoteleiro ‒ desejo um quarto. Não faço questão de preço; mas é preciso que seja uma peça branca, higiênica. Sou partidário da limpeza! 

‒ Não há dúvida, ‒ sorriu o hoteleiro. ‒ Mandarei que o levem até lá. Afianço-lhe que ficará satisfeito. 

Mostram-se vários quartos ao viajante. As paredes são cinzentas, os tapetes são velhos, mas a roupa de cama parece limpa. O nosso homem inspeciona tudo com o cuidado que lhe dá a desconfiança, apalpa o mobiliário, hesita. 

‒ Oh, uma pulga! ‒ grita ele. 

‒ Não se incomode, ‒ diz-lhe a criada, ‒ isso não é grave. Veja por si mesmo: a pulga está morta. 

Não há outro hotel na aldeia. A cidade fica distante. O viajante aceita o quarto e deita-se. Na manhã seguinte, de madrugada, o nosso herói acorda todo mundo. Quer partir. Tem uma expressão de lúgubre cansaço. 

‒ Dormiu bem, cavalheiro? ‒ pergunta amável, o proprietário. ‒ A pulga estava ou não estava morta? 

‒ Estava... estava bem morta. Mas que enterro concorrido!... 

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(Almanaque do Pensamento de 1973)

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