terça-feira, 9 de novembro de 2021

No tempo das carreteras

 

O Velho* 

Por Elton Jaeger

Catharino Andreatta 

O carro passou roncando. O verde-amarelo se destacando na estrada e emergindo de uma nuvem de poeira. A multidão se comprimia ansiosa nas proximidades da faixa de chegada, vendo a bandeira quadriculada agitar-se saudando o vencedor, nem precisava esforçar-se para divisar o número 2 pintado nas portas do velho Ford. Tinha que ser ele, o “Velho”. 

Logo o campeão descia da carretera, com o rosto suado se abrindo num sorriso, a voz tão rouca como o ronronar do motor poderoso do carro que pilotara, agradecendo os cumprimentos. Era uma cena comum para o ‘Velho’ que morreu ontem (21 de outubro de 1970) vítima de uma enfermidade que lhe vinha há tempo roubando a forças, mas jamais roubava o ânimo forte, a fibra, a vontade de viver correndo. 

Ele tinha a velocidade no sangue e aquela ânsia de andar sempre na frente, mais rápido que todo mundo. Agora está morto. Vive, porém, na memória daqueles que conviveram com ele, que correram com ele, que perderam para ele, que o admiravam como o maior de todos. E não morreu sozinho. Com Catharino Andreatta desaparece uma geração de volantes, de bravos, sem a sofisticação técnica dos pilotos de hoje, mas donos de uma coragem e de uma força que não se encontra mais. A carretera 2, aquela de cor verde-amarela, o esperará em vão, cobrindo-se como nós todos que o estimávamos, com a poeira da saudade.

Dia 8 de novembro (1970), quando os motores estrugirem poderosos, cheios de mil venenos, na pista novinha do Autódromo de Tarumã ‒ que, cruel ironia do destino, Catharino não palmilhará ‒, haverá um lugar vago no pelotão da frente. Mas se você estiver lá, abra bem os olhos, talvez veja um carro verde-amarelo com um número 2 branco pintado nas portas e, dentro dele, capacete enfiado na cabeça, voz rouca e um sorriso simpático, o palavrão pronto para explodir nos lábios: o ‘Velho’, uma lenda no automobilismo gaúcho e brasileiro. Você verá um piloto, um homem. E se você também for corredor, peça-lhe a bênção e, fique certo, ele vencerá de novo. Como sempre. 

(Parte de uma matéria do Almanaque Gaúcho, de Zero Hora, 8 de novembro de 2021)

* Em homenagem a Catharino Andreatta (1911-1970), texto publicado no extinto jornal Folha da Manhã, em 22 de outubro de 1970, um dia depois da morte de Catharino Andreatta, aos 58 anos, e um pouco mais de duas semanas antes da inauguração do Autódromo de Tarumã. Catharino é irmão do também ás do volante Júlio Andreattta (1917-1981).

2 comentários:

  1. Que lindo repostar uma matéria escrita pelo meu pai Elton Jaeger. Saudade.

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    1. Ele, Elton Jaeger, e os irmãos Andretta foram as feras do automobilismo gaúcho!

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